Há pouco mais de um mês, pesquisadores de Hong Kong registraram o primeiro caso confirmado de reinfecção pelo novo coronavírus. O paciente era um homem de 33 anos que havia sido infectado em abril. No começo de agosto, ao voltar da Espanha, ele novamente testou positivo para a Covid-19, e pesquisadores verificaram se tratar de uma cepa (variação genética) diferente do vírus causador da primeira infecção.
De lá para cá, mais de 20 casos foram registrados e confirmados como reinfecção pelo novo coronavírus, de acordo com levantamento do serviço de notícias BNO News, dos Estados Unidos. Além de Hong Kong, a Bélgica, Holanda, Estados Unidos, Catar, Equador e Índia completam a lista de locais onde as reinfecções foram identificadas.
Embora ainda seja cedo para concluir o impacto total, algumas especulações podem ser feitas com base no que se sabe até o momento. Por exemplo, podem existir mais casos do que os registrados, visto que algumas pessoas não apresentaram sintomas na segunda infecção.
"O caso de Hong Kong só foi documentado porque a pessoa, que estava sem sintomas, passou por um screening [triagem] no aeroporto. Quantas pessoas podem ter sido assintomáticas em um segundo momento, e quantas fizeram a recoleta do material? Isso é um fato. Podem ter havido mais casos, sem serem coletados e confirmados", explica Nancy Bellei, infectologista, professora de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo.
Outra questão que permanece em aberto é: as reinfecções serão casos raros, de fato? Por mais que os reinfectados confirmados sejam poucos até o momento, diante de um total de 33 milhões de casos no mundo, talvez ainda não tenhamos tido tempo suficiente para ter essa resposta. "Talvez isso ocorra com seis, oito meses, um ano, dois ou três. Pode não ter dado tempo ainda [de os reinfectados aparecerem]", explica a especialista.
Fato é que, reinfecções virais, especialmente aquelas que atingem o sistema respiratório, não são incomuns. "Reinfecção por vírus respiratório é algo esperado, relativamente frequente, e é possível que aconteça com esse vírus, sem que isso determine uma preocupação no sentido de ser uma doença mais grave", afirma Nancy.
Segunda vez mais grave?
O paciente de Hong Kong, na segunda vez com a Covid-19, não desenvolveu sintomas. Mas uma paciente norte-americana, que foi infectada novamente 48 dias depois da primeira vez, teve de ser internada e recebeu suporte de oxigênio. As reinfecções podem ser mais graves? Ainda não é possível tirar essa conclusão, segundo a infectologista.
"Na verdade, não dá para dizer que as pessoas, na segunda infecção, terão uma infecção mais grave. É preciso analisar caso a caso, entender a gravidade e o quadro clínico. Nos outros tipos de coronavírus, alguns pacientes ficaram mais graves, outros não. É muito precoce ainda para sabermos com certeza", explica.
A especialista lembra que ter uma segunda infecção mais grave não é o comportamento normal de vírus respiratórios. "É só ver o influenza [causador da gripe]. Em alguns casos, as pessoas infectadas têm sintomas mais graves, em outros não", diz.
O mais provável é que, em uma segunda infecção, os sintomas sejam mais leves. Isso se explica porque o organismo já teria tido contato com o agente causador da doença e saberia, portanto, como enfrentá-lo. Mas nem isso é regra. "As pessoas são diferentes. Um simples vírus de resfriado pode matar alguém que a vida toda teve resfriados e combateu, mas que aos 80 anos e com uma doença cardíaca não conseguiu se curar", exemplifica Nancy.
Como a reinfecção é confirmada? Para que um suposto caso de reinfecção seja confirmado, é preciso ter as amostras dos dois momentos da infecção e da reinfecção, a fim de que os vírus sejam avaliados. Se for o mesmo vírus, pode ser o caso de uma reativação viral, como acontece com o vírus da catapora que, anos depois, em um momento de fragilidade imunológica, surge como hérpes-zóster.
Sistema imunológico individual
Todos têm um sistema imunológico, mas ele age de forma individualizada. A reação a determinadas doenças, assim, tende a ser diferente também.
"[A ação do sistema imune] tem a ver com toda a história de vida da pessoa, desde o nascimento até agora. Tem a ver com a nutrição, sono, hidratação diária. Tudo isso é muito individual e vai dar uma resposta imunológica boa ou não, para qualquer tipo de infecção", destaca Tatjana Keesen de Souza Lima, doutora em Imunologia, professora do centro de Biotecnologia da Universidade Federal da Paraíba.
Para a especialista, independentemente dos casos de reinfecção, os cuidados devem permanecer. "Até a Ciência desvendar de verdade tudo o que está por trás dessa infecção por esse vírus, as pessoas devem continuar usando máscara, manter o distanciamento social, ter os cuidados na chegada em casa. Não é questão de colocar medo, mas é preciso lembrar que a doença ainda existe", reforça.