Quem tem insônia vive um dilema: quanto maior a preocupação com as noites mal dormidas, mais numerosas são as estratégias seguidas para alcançar um sono de qualidade. Por sua vez, essas mesmas estratégias acabam se tornando responsáveis pela manutenção do problema.
Essa armadilha pode ser explicada, segundo a terapia cognitiva comportamental voltada à insônia, fazendo-se a distinção entre a origem e a manutenção das noites mal dormidas. “A insônia tem um elemento desencadeante de componente emocional”, diz Silvia Conway, psicóloga do sono e diretora da Associação Brasileira do Sono (ABS). Esse elemento pode estar ligado à vivência de uma crise financeira ou conjugal, situações de luto ou de fortes estresses como o acompanhamento da hospitalização de um familiar, diz a psicóloga clínica e do sono Danuska Tokarski, credenciada pela ABS e Sociedade Brasileira de Psicologia.
Se a insônia surge por fatores estressantes, ela permanece por força de crenças errôneas, consideradas seus fatores mantenedores. Entre eles, os mais comuns, segundo as especialistas, estão ficar na cama mais tempo que o necessário, esperando o sono chegar; ficar de olho no relógio para controlar o número de horas de sono, e tentar compensar com cochilos ao longo do dia. “A pessoa passa a creditar a capacidade de dormir a cada uma dessas estratégias, mas todas elas acabam por criar resistência à manifestação do sono”, diz Silvia. Se a pessoa é hiperalerta, mais ligada na tomada, mais perfeccionista, mais exigente com ela mesma, tem o risco ainda maior de predisposição à insônia, cita Danuska.
O que é o sono
O sono é um processo natural, fisiológico, que ocorre pelo acúmulo de adenosina ao longo do dia, produzido para a sustentação de vigília. Isso gera o cansaço no fim do dia, que deve estar alinhado à tendência do ritmo biológico (circadiano), produzindo o sono. Porém, se a pessoa busca controlar o processo de dormir, forçar a barra, ela pode reprimir o sono, como se a mente criasse um estado hiperalerta a partir do excesso de expectativa. “Esse medo de dormir mal pode consolidar um padrão de insônia, de resistência ao sono. Então, o correto é respeitar a manifestação, não tentar controlá-la”, diz Silvia.
Tratamento
Para ajudar a mudar esse comportamento baseado em crenças errôneas, o tratamento psicológico voltado à insônia identifica esses hábitos no paciente e ajuda na retomada do padrão de sono normal. Segundo Silvia, é comum pessoas não cultivarem um espaço de recolhimento, de silêncio, não observarem a si mesmo e não respeitarem seu eu interior, o que dificulta dormir bem. “Dormir é um momento de entrega, mas muitos não têm intimidade consigo mesmas ao longo do dia e o pensamento acelerado dificulta o adormecer”, diz ela.
Um dos problemas da nossa época, segundo Danuska, é que cada vez mais se dorme menos, o que afeta o papel do sono de regular tanto parte biológica, de hormônios, quanto emocional, de memória e do sistema imunológico. “Inclusive a fome e a saciedade são reguladas pelo sono. Quanto menos dormimos, mais fome se sente e mais a gente engorda. Não é que dormir emagreça. Mas não dormir, engorda.”
Transtorno
A insônia pode ter quatro características: dificuldade de pegar no sono ou de mantê-lo, despertar precoce ou queixa de sono não reparador. A insônia pode surgir como sintoma de uma ruptura do equilíbrio emocional, mas quando maus hábitos se consolidam, pode se tornar um transtorno, como quando ela ocorre três vezes ou mais por semana, ao longo de um mês; tem prejuízos associados, como déficit de atenção e de concentração, irritabilidade, prejuízo laboral e social; e quando a pessoa passa a viver em torno do objetivo de preservar o sono.
Crenças errôneas
Aqui estão algumas estratégias que, se levadas à frente, podem complicar a qualidade do seu sono, mesmo que você tenha as melhores intenções.
- Ficar na cama mais tempo que o necessário, esperando o sono chegar, o que leva a um sono picado de noite;
- Ter preocupação excessiva com sono: controlar o relógio para verificar o número de horas dormidas e calcular quantas horas precisa para compensar depois;
- Recorrer ao álcool para induzir ao sono;
- Ingerir muito café para ficar alerta e compensar o prejuízo da insônia da noite anterior;
- Dizer que só consegue dormir com o uso de medicamentos e usar remédio como ansiolítico (frontal, clonazepan) sem indicação médica;
- Pensar que se tem que dormir oito horas para dormir bem, e perseguir esse tempo;
- Catastrofizar a insônia, achando que pode ter prejuízo grave, como Mal de Alzheimer;
- Após uma noite ruim, supor que as noites subsequentes serão assim também, antecipando a ansiedade;
- Organizar a agenda de atividades crendo que terá noite ruim de sono, não marcando nada para a manhã seguinte;
- Não dormir bem e cochilar pela tarde para repor, o que leva a não dormir bem de noite;
- Acordar pela noite e ver televisão ou mexer no celular;
- Ter uma percepção sempre negativa da qualidade de sono e julgar ruim toda noite;
- Pensar que para ter um sono bom é preciso sempre dormir direto, sem despertares.