No início da pandemia, profissionais da saúde se afastaram das família por proteção. Hoje a recomendação é de que estejam juntos.| Foto: Bigstock
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Enquanto a população em geral foi incentivada desde o início da pandemia a passar mais tempo com o núcleo familiar, muitos profissionais de saúde precisaram fazer o contrário, se afastando de casa. “Isso aconteceu principalmente no começo, porque não sabíamos como a doença era transmitida, sua gravidade ou tratamento”, relata o médico intensivista Rafael Deucher, que chegou a ficar 15 dias sozinho em um quarto de hotel no início de 2020 para evitar que a esposa e a filha de 2 anos fossem contaminadas.

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Só que esse isolamento, claro, foi difícil para muitos profissionais como ele. “Ficar sem o abraço, o beijo e sem a oportunidade de colocar minha filha no colo, por exemplo, eram situações que aumentavam meu estresse e ansiedade no trabalho”, afirma Deucher, que é presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Paraná (Sotipa) e viu a mesma situação incomodar diversos colegas nas Unidades de Terapia Intensiva.  

De acordo com a psicóloga Luciana Tiemi Kurogi, especialista em Psicologia Hospitalar, isso aconteceu porque a pandemia intensificou ainda mais as reações de tristeza, medo e frustração entre médicos e enfermeiros que trabalham nas UTIs. “Muitos profissionais chegam a chorar pelas perdas de pacientes e pelo sentimento de impotência”, afirma a doutoranda da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “E alguns se sentem até culpados quando há falta de leitos ou de outros insumos, pois não conseguem oferecer assistência a todos que precisam”, completa.

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Essa realidade aumenta a chance desse profissional de saúde desenvolver doenças emocionais como a síndrome de Burnout e transtornos depressivos, e pode ser ainda mais intensa se o indivíduo estiver afastado da família. Por isso, a recomendação atual é de que médicos e enfermeiros mantenham contato com seu núcleo familiar para receber carinho e suporte daqueles que amam. “A família pode ser uma rede de apoio psicossocial para o profissional, mesmo que isso aconteça virtualmente”, afirma Luciana.

Mas o contato pessoal – quando possível – é o melhor, pois “os cuidados que a família realiza, como preparar uma refeição e proporcionar diálogo, auxiliam na saúde física e mental”. Inclusive, isso já tem feito diferença no dia a dia de médicos como Rafael Deucher. “Como já tomei as duas doses da vacina, tenho aproveitado com tranquilidade a companhia da minha família”, conta, ao garantir que os momentos brincando com a filha são verdadeiros “calmantes”. “Ela recarrega minha bateria, e as atividades lúdicas que fazemos juntos me trazem paz”, confessa.

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Saúde emocional abalada

Segundo Deucher, as últimas semanas têm sido muito difíceis em todas as unidades de terapia intensiva, e os profissionais têm sofrido imenso desgaste emocional. “Além da lotação e da falta de insumos, passamos a ver jovens adoecendo, o que gera ainda mais comoção, porque são pessoas na fase inicial da vida, com filhos pequenos”, conta. “E a incidência de casos cresceu tanto que começamos a tratar conhecidos, como a noiva de um amigo, tios e outros familiares da equipe. Todo mundo já tem algum amigo que foi internado”, lamenta o presidente da Sotipa.

Para piorar, ele afirma que a maioria dos pacientes que chega à UTI apresenta insuficiência respiratória grave, o que leva à intubação. “Aí, conversar com a pessoa e com seus familiares nesse momento é desafiador, porque o paciente sabe que mais de 60% dos casos como o dele são fatais”, relata, ao descrever as reações que costuma ver nesse momento. “Eles se emocionam bastante, choram, e a equipe sente isso junto”.

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Diante dessa difícil realidade nas UTIs, é a família do profissional de saúde que deve ficar atenta a mudanças de comportamento, de sono, apetite ou de humor que afetem negativamente a qualidade de vida deste médico ou enfermeiro. “Os familiares podem viabilizar o diálogo e proporcionar uma escuta do sofrimento desse profissional, mas, caso ele não queira falar, não podemos obrigá-lo”, pontua a especialista, ao sugerir acompanhamento psicológico para os casos em que a pessoa estiver muito fragilizada ou em sofrimento. “Existem, inclusive, psicólogos voluntários para isso. Vale a pena procurá-los”, indica.