A rapidez com que as vacinas estão sendo feitas pode até gerar desconfiança, mas alguns sinais indicam que são seguras| Foto: Bigstock
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As vacinas contra a Covid-19 estão avançando a passos largos, e isso pode gerar desconfiança. De um prazo estimado em anos de desenvolvimento de um imunizante para meses entre testes em animais, seres humanos e a liberação para o uso, pode parecer estranho depositar tanto crédito em uma substância ainda nova.

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Mas alguns sinais ao longo do processo denunciam: as candidatas contra o novo coronavírus têm se mostrado, sim, seguras e eficazes. Como ter certeza disso? Olhando cada etapa do caminho. Desde a concepção de como a vacina vai ser feita até depois da liberação de uso por alguma agência regulatória, a segurança do imunizante é avaliada de perto pelo fabricante e pelos órgãos federais.

Além disso, a vacina nunca "passa de fase" se apresentar algum sinal de perigo, segundo explica Flávio Guimarães da Fonseca, virologista e pesquisador do Centro de Tecnologia em Vacinas (CT Vacinas) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "O teste vacinal é um processo linear. Você só avança para a próxima etapa se há indícios, na etapa anterior, que a próxima é factível", explica.

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Testes em animais: o que é visto?

Antes de uma vacina ser testada em seres humanos, ela passa pela chamada fase pré-clínica, que são os testes em animais. Em geral, os pesquisadores avaliam em diferentes espécies, começando por camundongos. Nas candidatas contra a Covid-19, as desenvolvedoras usaram também os macacos Rhesus, porcos e furões, de acordo com Elena Caride, gerente do Programa de Vacinas Virais de Bio-Manguinhos / Fiocruz.

"Nos testes pré-clínicos, o pesquisador inocula os animais com a vacina que está sendo testada e observa não apenas a resposta imunológica, mas também a segurança. Quando é feita a necropsia [autópsia], todos os tecidos são observados, tanto dos animais do grupo que recebeu a vacina, quanto dos que eram do grupo controle. Se a vacina causar qualquer exacerbação da resposta à doença, você identifica pelos tecidos", detalha Caride.

Outra observação feita nesse momento da pesquisa é com relação à toxicidade da vacina. Os animais avaliados recebem altas doses do imunizante – acima do que será usado em seres humanos – para verificar se é capaz de provocar alguma toxicidade. "As vacinas contra a Covid-19 não chegaram nessa etapa, mas é possível usar animais grávidas para ver se há toxicidade no feto. Novamente, todos os tecidos dos animais são avaliados para verificar se houve alguma lesão", explica a pesquisadora.

Fases 1, 2 e 3: como a segurança é avaliada?

Os testes clínicos, que avaliam a vacina em seres humanos, se dividem em três fases. O objetivo principal da primeira etapa é verificar a segurança da candidata entre os voluntários, que não passam de 100 pessoas.

Esse grupo é composto de indivíduos saudáveis, e todos mantêm um diário. De um tropeço na rua a uma alergia, todas as informações durante o período do teste devem constar neste registro.

"Os eventos adversos mais comuns são dor no local da aplicação, febre e dor de cabeça. Mas, se a pessoa passar mal e tiver de ser hospitalizada, tudo fica por conta do estudo clínico, que analisa o que a pessoa teve, seja ela do grupo que recebeu a vacina, seja do grupo controle", explica Caride.

Se algo mais grave surgir entre os participantes dessa etapa, a vacina não avança para a fase seguinte. Caso nenhum sintoma mais significativo aparecer, a fase 2 amplia a população analisada para centenas. Aqui, os pesquisadores olham para eventos adversos em uma população ampliada, porque, às vezes, em um número menor de participantes, os efeitos não se apresentam.

O tempo entre uma fase e outra, segundo Caride, varia. "Hoje a gente consegue encurtar as fases porque estamos com a incidência muito grande da Covid-19. Então conseguimos ver os dados de eficácia muito rápido, porque os voluntários estão mais expostos", diz a pesquisadora.

A avaliação de eficácia da vacina, vista na fase 3, é feita a partir de um cálculo simples: ao olhar para os dois grupos de voluntários (os que recebem a vacina e os que recebem o placebo, ou outra vacina), os pesquisadores verificam qual dos dois teve maior número de casos da Covid-19. Se for maior no grupo placebo, mostra-se uma ação da vacina. Caso seja o contrário ou a mesma quantidade nos dois grupos, a vacina não demonstra eficácia.

Mesmo na terceira fase, caso algum voluntário apresente qualquer sintoma que fuja dos mais leves, o estudo é paralisado temporariamente até que se prove que o efeito não tem relação direta com a vacina. Casos assim foram vistos este ano, como a vacina da Universidade de Oxford e da AstraZeneca, da Janssen, braço farmacêutico da Johnson e Johnson, e da Coronavac, da Sinovac e Instituto Butantan. Todos os testes foram retomados em poucos dias.

Quem autoriza a retomada de um estudo clínico nessa situação é a agência regulatória que, em um primeiro momento, permitiu que o estudo fosse conduzido. Toda notificação de evento adverso deve ser feita pelo laboratório responsável pela pesquisa. "A notificação é uma obrigação da farmacêutica, mas a suspensão é um direito da agência regulatória. Isso é algo normal, mas hoje como todo mundo está mais atento, parece algo fora do comum. Mas esse é o dia a dia de um estudo clínico", assegura a pesquisadora de Bio-Manguinhos/Fiocruz.

Efeitos graves versus efeitos normais

Toda vacina, seja do tipo que for, terá efeitos adversos, segundo explica Flávio da Fonseca, virologista e e pesquisador do CT Vacinas da UFMG. O problema está em confundir os efeitos graves com os médios e leves.

Efeitos leves de uma vacina: dor, vermelhidão e inflamação no local da aplicação; febre; dor de cabeça; mialgia [dores musculares].

"Importantes são aqueles eventos com riscos de vida, em geral. Contudo, é só uma classificação, não significa que as outras não são relevantes, mas sabemos que todo produto biológico, como uma vacina, irá induzir alguns efeitos secundários em um percentual da população. Esses efeitos incluem sinais de resfriado, por exemplo", explica Breno Castello Branco Beirão, professor do departamento de patologia básica da Universidade Federal do Paraná.

Efeitos moderados: febre alta por mais de dois dias; sinais de síndrome gripal, com mal estar.

Efeitos graves: sintomas que levem à hospitalização do paciente, como a síndrome de Guillain-Barré.

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"As pessoas estão com medo dos efeitos colaterais, mas se esquecem que todas as vacinas que já tomaram na vida têm efeitos. E as que estão sendo testadas para a Covid-19 não tiveram nenhum efeito fora do esperado. É sempre a balança entre o risco e o benefício. No caso da Covid-19 nem precisa pensar muito para ver o benefício que a vacina pode trazer diante do risco da doença, que é imensamente maior", explica Fonseca.

"A gente tem tentado batalhar contra a avalanche de fake news, eu mesmo vi vídeos de médicos desacreditando as vacinas, mas é importante que as pessoas saibam que não há nelas nada diferente de outras vacinas já testadas. Há, sim, vacinas novas, como a de RNAm [da Pfizer/BioNTech] e de vetor viral [AstraZeneca/Oxford], mas elas estão passando pelos mesmos processos de avaliação que as vacinas comuns, que são rigorosos. E, se elas estão caminhando, é porque venceram as barreiras. Não há razão para acreditar em chip de vacina, em mutação, nada disso. Ao ouvir esse tipo de notícia, é importante checar a fonte, e ouvir um especialista na área." completa o virologista.

Vacina liberada: avaliação de segurança continua

Ainda que uma vacina seja aprovada ou liberada para uso emergencial, a avaliação de segurança continua - tanto por parte da desenvolvedora, quanto pela agência regulatória. Trata-se da fase 4 da pesquisa, ou da farmacovigilância.

"O paciente nem sempre sabe, mas todo evento que ele tiver com a vacina deve ser notificado. As desenvolvedoras das vacinas têm, em geral, um número de telefone nos sites que a pessoa pode ligar ou um formulário eletrônico para preencher. Se a pessoa for internada, o hospital deve notificar, caso ache que pode estar relacionado com a vacina", explica Elena Caride, gerente do programa de Vacinas Virais de Bio-Manguinhos/Fiocruz.

Esse é um retorno importante para as farmacêuticas, de acordo com a especialista, que podem usar as informações para melhorar o produto em uma futura atualização. "A fabricante controla o tempo todo o que está acontecendo com a vacina, e a agência regulatória faz inspeções regulares, olhando tudo. A agência é também a detentora do registro, e ela continua controlando para avaliar se aquele fabricante ainda merece o registro, se continua dentro das especificações e do esperado", detalha Caride.

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Visita à fábrica

Mais um ponto para garantir a segurança das vacinas por parte das agências regulatórias são as visitas aos locais de produção dos imunizantes. No fim de novembro, a Anvisa anunciou que estava iniciando o processo de inspeção da fábrica da farmacêutica Sinovac, na China, responsável pela vacina da Coronavac - que vem sendo testada no Brasil pelo Instituto Butantan. No início de dezembro, foi a vez da fábrica da farmacêutica AstraZeneca, que produz a vacina ao lado da Universidade de Oxford.

A inspeção visa conferir as Boas Práticas de Fabricação (BPF) das desenvolvedoras, e isso é fundamental, segundo Elena Caride, do Programa de Vacinas Virais da Bio-Manguinhos/Fiocruz.

"Para produzir uma vacina, hoje, é preciso ter boas práticas de fabricação e atender a uma lista extensa de requisitos para obter o certificado que só as agências regulatórias podem emitir. É de rotina, é obrigatória, e a agência volta, de tempos em tempos, para ver se o maquinário na produção é validado, se ele tem controle, se as pessoas que estão trabalhando estão treinadas, se a documentação de estabilidade do produto está certa", explica.

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