O isolamento social tem feito surgir dois tipos de pensamentos em tabagistas, sejam eles de longa data, sejam eles novos fumadores: alguns aumentaram o número de cigarros fumados por dia, outros usaram as restrições deste período para deixar de fumar.
Em um estudo recente da organização sem fins lucrativos Action on Smoking and Health, do Reino Unido, estima-se que um milhão de habitantes do país tenham parado de fumar, dos quais 41% deles como resposta direta à pandemia, visando uma melhora de saúde.
No Brasil, o movimento parece ter sido diferente: a pesquisa Convid, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em abril e maio, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais, e a Universidade Estadual de Campinas, revelou que se 53% das pessoas persistiram no número de cigarros consumidos diariamente, 6% aumentaram em cinco o número de cigarros diários, 23% incrementaram o consumo em mais dez cigarros diários, e 5% em incríveis 20 ou mais.
Aproveite agora
Segundo Gustavo Sehnem, médico psiquiatra especialista em dependência química, da Unimed, quem quer parar de fumar deve aproveitar os percalços do isolamento. “A restrição de saídas ajuda bastante, pois em muitas casas pessoas evitam fumar no seu interior e têm que descer do apartamento ou sair de casa, ir a um ambiente externo, contribuindo pra reduzir o consumo. E essa é uma das técnicas que usamos no tratamento em tempos normais: criar dificuldades para fumar”, diz ele.
Além de criar imposições como a de que não se pode fumar dentro de casa, evitar gatilhos com toda a força é fundamental, substituindo aquele café que chama um cigarro por suco ou chá, e até mesmo eliminando cantos associados ao cigarro, mudando móveis de lugar, criando um ambiente diferente.
O papel do medo
O medo proveniente da pandemia também ajuda a criar essa tempestade perfeita para quem quer parar de fumar. Isso acontece, segundo o psiquiatra, porque o fato contraria uma das condições que levam as pessoas a postergarem parar de fumar.
“Muitas consequências do tabagismo não são imediatas, demoram anos para surgir. Alguém que comece aos 16 anos a fumar vai ver os efeitos aos 45/50 anos, quando o risco de infarto aumenta, a pele e dentes envelhecem”, diz ele, explicando que a psicologia mostra que, quanto maior o hiato entre a gratificação e suas consequências, mais tempo tende-se a perdurar em uma dependência. Na pandemia, como o trato respiratório é o mais afetado em uma possível infecção, quem fuma tem carregado consigo esse temor constante e maior do que quem leva uma vida saudável.
Em tempos de Covid-19, o tabagista também tem mais medo por estar mais suscetível ao contágio, ao contrariar recomendações sanitárias como a de ficar com as mãos sempre limpas, não levar a mão à boca e usar máscara sem tocá-las por demais. “Ter de sair e voltar toda hora de casa para poder fumar também expõe mais a pessoa e sua família ao risco da infecção”, diz.
Parar como?
Segundo Sehnem, entre parar de imediato ou gradualmente, em termos químicos e físicos, a orientação maior é pela redução gradual, até mesmo pela dependência à nicotina. “Vai-se reduzindo aos poucos tendo um dia determinado para parar de fumar, para evitar a tendência a procrastinar. Esta redução gradual faz com que o organismo passe novamente a produzir a nicotina natural”, diz ele. “Quem fuma 25 cigarros por dia deve chegar a 5 e ter um dia para parar, quando a pessoa não pode mais colocar nem um cigarro na boca”, diz ele, assinalando que há disponível medicamentos, adesivos e gomas de mascar para o tratamento.
Papel da família
A atitude do tabagista de abrir à família que está na jornada de parar de fumar é algo que deve ser muito valorizado pelo cônjuge e filhos, pois que isso funciona como uma espécie de compromisso da pessoa com sua própria saúde, com sua família e com seu propósito. Para a família de quem está tentando parar de fumar, a sugestão é ressaltar as pequenas vitórias. “Dizer que a pessoa está com um cheiro e com uma pele melhor são formas de familiares ressaltarem os aspectos positivos desta jornada”, diz o médico psiquiatra.