Ao investigar a disseminação de um vírus novo no mundo, a principal preocupação da médica Leonora Orantes (interpretada pela atriz francesa Marion Cotillard no filme Contágio, de 2011) foi buscar quem teve contato com a primeira pessoa a apresentar os sintomas da doença. Essa estratégia de Saúde Pública é chamada de busca ativa ou contact tracing, no termo em inglês, e oferece resultados importantes, desde que feita logo de início.
Nos Estados Unidos, buscar pelas pessoas que estiveram próximas a casos suspeitos ou confirmados da Covid-19, e orientá-las a manterem o distanciamento e ficarem atentas aos sintomas, tem sido uma das estratégias de combate do novo coronavírus. Mais do que isso, a expectativa é que essa ferramenta ajude o país a voltar ao "normal" mais rápido.
Países como Alemanha e Coreia do Sul adotaram a busca ativa no início, e controlaram a disseminação da doença com mais sucesso. No Brasil, a estratégia não foi adotada por todos os estados e municípios por uma questão importante: não há testes suficientes. Se alguém com sintomas leves está infectado pela Covid-19, ela não saberá. A não ser que o quadro se agrave e ela seja encaminhada ao hospital, que fará o exame de diagnóstico.
"Temos ainda vários municípios sem nenhum caso registrado de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e nem Covid-19. Nessas situações, os municípios têm que fazer a busca ativa, têm que monitorar, assim como faziam no final de janeiro. Nos lugares com transmissão comunitária, o sentido desse monitoramento já não tem muito critério. Não tem como fazer", afirmou Wanderson Oliveira, então secretário de Vigilância em Saúde no Ministério da Saúde, em coletiva no início de abril.
Faça a sua busca ativa
Os especialistas ouvidos pelo Sempre Família concordam que adotar a busca ativa no Brasil, agora, não seria uma boa estratégia. Isso não diminui a importância da medida e nem exclui a possibilidade de que ela seja adotada mais para frente, quando os casos começarem a reduzir. Ou, ainda, que seja adaptada ao contexto atual.
Uma opção é que cada um faça a sua parte. Caso venha a desenvolver sintomas da Covid-19, além de manter as medidas de higiene e distanciamento social, é importante avisar as pessoas com quem teve contato. "Isso depende da consciência da pessoa. Se alguém tiver os sintomas e por ventura fizer o teste e ver que é positiva, obviamente é importante que avise os lugares em que foi", explica Viviane Alves, microbiologista do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e chefe do laboratório de Biologia Celular e Microrganismos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
"Mas tem outro problema que vem surgindo, que é o preconceito com as pessoas com a doença. Não sabemos se elas vão querer revelar que estão positivas para a Covid-19. Ainda assim seria muito eficiente se cada um tivesse essa consciência e alertasse", completa a microbiologista.
Assim como Viviane, o pesquisador da área de epidemiologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Airton Stein, concorda que, nesse momento, exige-se maior sensibilização das pessoas para o perigo da Covid-19. "O que funciona para interromper a transmissão é isolar, colocar em quarentena as pessoas que sabemos que estão infectadas. Agora estamos em um período de mitigação. Há necessidade de identificar os contactantes dos infectados para que eles também fiquem em quarentena, e isso é um trabalhão. As comunidades que fizeram isso melhor são aquelas nas quais a percepção das pessoas com relação ao isolamento também é melhor", explica o pesquisador.
Stein argumenta que é compreensível que as pessoas sem sintomas tenham dificuldades em seguirem o isolamento total, mas é justamente pelo risco de terem sido expostas à doença e desenvolverem sintomas leves ou nenhum, sem saber, que elas devem permanecer em casa. "A transmissão não é apenas entre pessoas com sintomas. O período que se recebe o vírus e o carrega é de até 14 dias. A única maneira de interromper a transmissão é o isolamento", reforça.
Tamanho do problema
Caso a busca ativa seja monitorada pelas secretarias de saúde ou agentes comunitários, um dos benefícios, conforme explica Flavio Fonseca, virologista do Centro de Tecnologia em Vacinas da UFMG, será ter uma dimensão – mais próxima do real – da subnotificação da doença.
"Foi usando essas estratégias que alguns países conseguiram ter uma ideia da realidade epidemiológica e tomaram ações condizentes com os resultados. A Coreia do Sul fez isso de forma muito intensa e ficou emblemática a forma como eles lidaram com a epidemia. A Alemanha também fez essa abordagem, de identificar núcleos de positividade e isolá-los, além dos contatos", cita Fonseca.
Somente ao descobrir o tamanho dos casos positivos no país, pode-se afirmar quantas pessoas estariam imunes à doença. Embora essa também seja uma questão ainda em debate. De acordo com a microbiologista Viviane Alves, os especialistas ainda não sabem se os anticorpos produzidos, quando em contato com o novo coronavírus, são capazes de parar a multiplicação do vírus e nem por quanto tempo eles duram.
"Em qualquer infecção, o organismo desenvolve anticorpos, mas nem sempre duram muito tempo, e depois podemos pegar a doença de novo. Se for igual à SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), eles duram de um a três anos e, depois desse período, a pessoa volta a ficar suscetível de novo. Isso pode acontecer com o SARS-CoV-2, mas não temos certeza", explica.