Cancelar alimentos nunca é uma atitude que tem efeitos duradouros, além de poder prejudicar a saúde.
Cancelar alimentos nunca é uma atitude que tem efeitos duradouros, além de poder prejudicar a saúde.| Foto: Bigstock

Muito hoje se fala de cultura do cancelamento, principalmente de indivíduos e por posições políticas. Porém, quando o assunto é alimentação, essa ideia de cancelar um produto para ter mais saúde ou para perder peso sempre existiu.

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É claro que certos alimentos ou ingredientes devem ser excluídos de dietas quando há indicações clínicas individuais, como para diabéticos, alérgicos ou com outro diagnóstico que disso necessite. Mas em outros casos, é correto excluir de vez um alimento?

Depende. Um dos poucos alimentos ou nutrientes que podem ou devem ser cortados completamente de uma dieta é a gordura trans, segundo o médico nutrólogo Edivaldo Guimarães Júnior, do Hospital do Servidor, de São Paulo. Isso porque a substância causa doenças cardiovasculares e corrobora para alterações metabólicas que aumentam a chance de desenvolver diabete e câncer. “Não há recomendação segura de consumo de gordura trans, o que levou alguns países a proibirem produtos com a substância. No Brasil, ela está com os dias contados: em 2023 todos os alimentos comercializados no país não poderão contê-la”, diz ele.

Carboidratofobia

Se com a gordura trans fica fácil tomar essa decisão mais radical, o cancelamento do carboidrato, um dos mais populares hoje em dia, gera dúvidas. “Vivemos uma era pró "carboidratofobia". A alimentação LowCarb é uma estratégia para emagrecer bem interessante, se acompanhada e mantida por um tempo. Porém, estudos mostram que consumir carboidrato demais – ou de menos – e por tempo prolongado pode ser prejudicial. O ideal é que cerca de 50% da energia ingerida por dia venha de carboidratos”, diz ele.

Os carboidratos de absorção rápida, como as farinhas brancas, quase nunca são benéficas, mas um cancelamento exigiria uma conduta individualizada. “Eles não são saudáveis, mas isso não vale para praticantes de esporte que podem e devem comê-los após treinos de alta intensidade ou competição, para repor glicogênio muscular e melhorar a performance”, diz.

Apesar de farinhas brancas e integrais terem valor calórico semelhante, elas acabam tendo efeitos fisiológicos diferentes. “Produtos com mais fibras alimentares como os integrais proporcionam maior saciedade e têm efeitos benéficos no funcionamento intestinal. Eventualmente alternar o uso delas pode ser uma atitude mais benéfica”, diz a nutricionista Clarissa Fujiwara, membro do Departamento de Nutrição da ​​Associação Brasileira ​para o​ Estudo da Obesidade ​e da Síndrome Metabólica​ (Abeso). 

O mecanismo envolvido na farinha branca é este, segundo Guimarães Júnior: “A farinha branca tem um índice glicêmico alto, é absorvida rápida, e com isso eleva de forma mais rápida os níveis de insulina no sangue. Porém, estes níveis também caem de forma rápida, mandando um sinal para o cérebro, nos neurônios chamados de Neurônios de Segunda Ordem, fazendo com que se tenha fome mais rápido e coma mais vezes durante o dia, sendo um grande vilão do peso”, diz ele.

Apesar disso, segundo a nutricionista, não é possível ver alimentos como vilões ou mocinhos e afirmar que um alimento engorda ou emagrece, pois isso depende do estilo de vida, do nível de atividade física e de uma boa qualidade quantidade de horas de sono, fatores que mais influenciam quando se fala em gerenciamento de peso.

Alternar é melhor que cancelar

O cancelamento total do açúcar, comumente visto como um alimento viciante, apesar de poder ser uma atitude saudável, seria pouco plausível, como explica o médico. “Em um mundo ideal seria inteligente cancelar o açúcar, mas isso é algo difícil, sendo mais acessível alternar seu uso com o de adoçantes”, diz ele. O consumo de açúcar está relacionado a aumento de peso, desenvolvimento de diabete e ao processo inflamatório. “Para o aparecimento de placas de ateromatosas (placas de gordura nos vasos sanguíneos) é necessário que o colesterol ruim (LDL) seja oxidado e este processo depende de componentes inflamatórios, portanto, o açúcar colabora com este mecanismo que pode levar ao infarto e acidente vascular encefálico”.

Para a nutricionista Clarissa, como excluir o açúcar é difícil, o ideal é programar para degustar algo mais açucarado em alguns momentos na semana e apreciar de modo pleno, como no que se chama de mindfulness, ou seja, com atenção total ao que se está comendo. “Esta é uma forma de controlar os excessos e se saciar à mesa”, diz ela, assinalando que cancelar o açúcar talvez não seja abordagem mais adequada, mas que é importante evitar ultraprocessados com excesso de açúcares simples, que contribuem no excesso de peso. “Somente uma lata de refrigerante pode ter até 50% mais do que o máximo de açúcar livre que poderia ser consumido diariamente, além de ser uma caloria vazia, sem nutrientes agregados”, diz ela, que também é membro da American Society for Nutrition e coordenadora de Nutrição da Liga de Obesidade Infantil do HC-FMUSP.

Glúten e lactose

Além das gorduras, farinhas e açúcares, muita gente também de alguns anos para cá cancelou o glúten (componente proteico presente no trigo, centeio e cevada) e a lactose por conta própria, mesmo sem apresentar problemas específicos que justificassem essa decisão. “A indicação clínica para exclusão de glúten é a doença celíaca, a alergia específica ao trigo – que não tem a ver com glúten propriamente dito – e ainda uma condição denominada sensibilidade ao glúten não-celíaca, mas para o qual não há ainda diagnóstico”, diz Clarissa.

A exclusão da lactose é indicada para quadros de intolerância, que é a incapacidade parcial ou total do organismo na digestão dela, pela deficiência na produção da enzima lactase. “Se você excluir sem necessidade e sem substituição adequada, vai haver carência de ingestão de cálcio mineral, importante para garantir a boa saúde óssea, e de proteínas de alto valor biológico”, diz ela.

Porém, excluir alguns desses compostos sem indicação não coloca em risco a vida de uma pessoa, mas não resulta em benefício nem para a saúde, nem para emagrecer, além de ser improvável manter esse padrão alimentar por longos períodos. “Quando a gente fala de adquirir um estilo de vida saudável é importante pensar em hábitos que se cultivam ao longo da vida e não algo imediatista”, diz ela.

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