A subnotificação dos casos de Covid-19 no país, e em quase todo o mundo, não é segredo. No Brasil, o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta admitiu algumas vezes que os casos são subestimados. O tamanho da subnotificação, no entanto, não é certo, mas estudos apontam que pode ser significativo.
Segundo diversas pesquisas internacionais e nacionais, o registro oficial não chega a 10% dos casos reais da doença. Para se ter uma dimensão, até esta quarta-feira (15), eram 28.320 casos e 1.736 mortes confirmadas pelo novo coronavírus no país, de acordo com o Ministério da Saúde.
Para os pesquisadores da PUC-Rio, Fiocruz e outras instituições participantes do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), o número real de casos no país chega a ser 12 vezes maior que o confirmado, de acordo com um estudo do grupo divulgado nessa semana. Outro estudo também divulgado nessa semana, do Portal Covid-19 Brasil, composto por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e outras instituições de ensino do país, como UNB e UFRJ, calcula que o número de pessoas com a Covid-19 pode ser 15 vezes maior.
Ou seja, o primeiro estudo, com base em números da última sexta-feira (10), indica que os 19.638 casos confirmados até a data eram apenas 8% dos casos reais. Já o segundo – que usou números de sábado (11) – indica que os 20.727 confirmados representavam apenas 6,6% da realidade.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores se basearam em metodologias semelhantes, utilizando o número de mortes confirmadas e as taxas de letalidade esperadas para a doença – com dados de outros países adaptados ao cenário brasileiro (pela pirâmide etária).
Menor letalidade
Uma das conclusões a que se pode chegar quando se calcula um número maior nos casos é de que a taxa de letalidade da doença poderia ser menor do que o previsto. Os pesquisadores do NOIS, por exemplo, calcularam a chamada taxa de letalidade observada, com a razão entre os óbitos e a estimativa de casos com desfecho (pelo tempo desde a notificação). Até o dia 10 de abril, eram 1.056 óbitos e 6.482 casos com desfecho (com recuperação ou morte), o que resultava em uma taxa de 16,3%.
Porém, a taxa de morte esperada no estudo foi de 1,3%, mais de 12 vezes menor – chegando ao percentual de que apenas 8% dos casos são registrados. Segundo a pesquisa, os dois estados com mais casos da doença, São Paulo e Rio de Janeiro ficam abaixo disso, com 6,5% e 7,2%, respectivamente. Os melhores índices são do Mato Grosso do Sul e Distrito Federal, com mais de 27% dos casos diagnosticados. Já Paraíba, Pernambuco e Piauí são os piores, com menos de 3% dos casos reportados.
O Portal Covid-19 Brasil, por sua vez, usa uma taxa de mortalidade real de 1,08% e se baseia na estimativa de óbitos futuros por 10 dias – período do atraso entre a notificação do óbito e a confirmação dos casos (visto que o Brasil tem feito testes em pessoas em processo de agravamento da doença e não nos sintomas iniciais). "Ao projetar o número de óbitos para o dia 21/4, obtemos o valor projetado estimado de população infectada do dia 11/4 de 312.288. Comparado à quantidade de notificados para o dia, que foram de 20.727, temos 93,36% de subnotificação", dizem os pesquisadores. Neste estudo, com 6,6% dos casos reportados, São Paulo e Rio de Janeiro ficam levemente acima da média nacional, com 6,7% e 7% dos casos diagnosticados, respectivamente.
300 mil casos no Brasil
Com os 28.320 casos confirmados na quarta-feira (15), o Brasil poderia ter, levando em conta as estimativas acima, entre 339 mil a 424 mil casos do novo coronavírus. Essa discrepância se dá pela falta de disponibilidade de testes de confirmação da infecção pela Covid-19 – até a quarta-feira anterior, dia 8, o Ministério confirmava pouco mais de 62 mil testes.
Um número mais próximo do real também reduziria bastante a taxa de letalidade atual de 6,1% do governo (de acordo com a estimativa do Ministério da Saúde no dia 14 de abril), já que uma grande quantidade de casos sequer entra na conta.
Para o NOIS, a confirmação de casos da doença é o principal dado para o entendimento da evolução da doença em determinada região. É também a base para planejar o atendimento da população (necessidade de recursos hospitalares, como leitos de UTI e respiradores) e para avaliar o impacto de ações de combate à doença, como as medidas de isolamento.
"O elevado grau de subnotificação pode sugerir uma falsa ideia de controle da doença e, consequentemente, poderia levar ao declínio na implementação de ações de contenção, como o isolamento horizontal", diz trecho da nota técnica.
Estudos internacionais e a subnotificação
Mesmo países que são exemplos na testagem da população têm subnotificação de casos da Covid-19. Segundo um levantamento do Centro para Modelagem Matemática de Doenças Infecciosas da "London School of Tropical Medicine", do Reino Unido, a Alemanha registraria 29% dos casos diagnosticados, e a Coreia do Sul, 55%.
Já o Brasil, baseado em números de segunda-feira (13) – quando o país confirmou 23.430 casos – , teria apenas 7,8% dos casos diagnosticados. Os ingleses também fazem estimativas da taxa de mortalidade de casos corrigindo atrasos entre a confirmação e morte.
Um estudo um pouco mais antigo, do fim do mês passado, realizado por pesquisadores da Universiade de Göttingen, na Alemanha, estimou que em média somente 6% das infecções pelo SARS-CoV-2 eram registradas no mundo. O Brasil beirava 1%.