Disposição a atacar as próprias células de defesa pode agravar casos de Covid-19.| Foto: Bigstock
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Duas causas genéticas podem estar por trás do agravamento dos quadros de Covid-19, sendo que uma delas pode ser responsável por um a cada cinco desfechos fatais relacionados à doença do novo coronavírus.

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Os dados, levantados pelo consórcio internacional COVID Human Genetic Effort, com mais de 150 cientistas, teve a participação de pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e foram publicados na revista científica Science Immunology no mês de agosto.

Os estudos mostram que autoanticorpos (anticorpos dirigidos para células e tecidos do próprio corpo) comprometem a atuação do sistema imunológico e são responsáveis por cerca de 14% dos casos críticos de Covid-19 e quase 20% do total de casos fatais. Além dessa causa, uma mutação genética encontrada em 1,8% dos homens explicaria também a presença de infecção grave em alguns jovens. As informações são do Jornal da USP.

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O corpo contra

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O primeiro estudo destaca um erro no sistema imune que leva à produção de autoanticorpos que neutralizam e destroem os interferons tipo 1 – glicoproteínas com alta atividade antiviral importantes para o combate a infecções. “O organismo começa a combater o vírus e aparece um anticorpo que ‘puxa o freio de mão’ da sua resposta imunológica. É como nadar contra a correnteza”, explica o médico e pesquisador Antonio Condino-Neto, membro do consórcio e coordenador do Laboratório de Imunologia Humana do ICB.

“Os dados apontam que alguns indivíduos, não apenas idosos, podem ter suscetibilidade genética à doença. E mostram por que algumas pessoas são mais resistentes e outras não, independentemente da idade – embora seja comum que o sistema imune fique enfraquecido com o envelhecimento. A descoberta fortalece nossa tese de que o problema dos casos graves não é apenas o vírus, mas o sistema imune do indivíduo”, destaca o pesquisador.

Esse fenômeno foi observado em 13,6% dos pacientes com covid-19 grave e em 21% dos pacientes com mais de 80 anos. Esses autoanticorpos também foram detectados em 18% dos 1.124 pacientes que morreram. Para chegar a esses resultados, foram coletadas amostras de aproximadamente 3,6 mil pacientes de hospitais ao redor do mundo para sequenciamento genético.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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Mutação genética

Já o segundo estudo detalha o papel de uma mutação no gene TLR7 recessivo, ligado ao cromossomo X, que contribui para o desenvolvimento da Covid-19 grave. Esse gene regula o toll-like 7, um receptor intracelular que lida com as respostas virais, reconhecendo padrões e ativando mecanismos para atacar o vírus. Com a mutação no gene, o receptor não atua conforme o esperado contra o coronavírus, que acaba causando uma infecção gravíssima.

Extremamente rara, a deficiência foi identificada em 1,8% dos homens com menos de 60 anos que tiveram pneumonia crítica inexplicável por conta da Covid-19 – incluindo dois meninos com idades entre 7 e 12 anos. Para isso, foram analisados 1.102 pacientes do sexo masculino entre seis meses e 99 anos de idade.

Possíveis terapias

Os cientistas já têm uma hipótese de tratamento para contornar essas suscetibilidades. No próximo ano, será feito um ensaio clínico internacional com o interferon beta, composto utilizado para o tratamento de doenças autoimunes, como a esclerose múltipla. Trata-se de um medicamento com longa experiência de uso na clínica, o que ajudaria a acelerar os testes até a sua aprovação. Já se sabe, por exemplo, o regime de doses para aplicá-lo de maneira segura, assim como os seus possíveis efeitos adversos.

“Realizamos testes in vitro e o medicamento funcionou para corrigir o problema apontado no primeiro estudo, dos autoanticorpos. Ele atua ativando os mecanismos da imunidade inata, para barrar o vírus logo no começo, repondo os interferons que o sistema imune da pessoa está tentando destruir”, afirma Condino-Neto. “Imagine que o sistema imune desses pacientes é uma rua cheia de buracos e lombadas: o medicamento iria recapear seu asfalto”, complementa.

No caso das mutações no gene TLR7, ainda são necessárias mais pesquisas para traçar uma estratégia terapêutica. “Uma de nossas melhores hipóteses é o próprio interferon beta, porque quando o receptor toll-like 7 não funciona, ele não consegue deflagrar os mecanismos de sínteses de citocinas. Então, deve faltar interferon beta nesse indivíduo. Mas ainda precisamos comprovar isso”, detalha o professor.