Nos primeiros meses após o nascimento, a proteção que o organismo da criança tem contra agentes infecciosos vem da mãe, por meio do leite materno. O colostro, como é chamada a primeira lactação, contém anticorpos, as imunoglobulinas, que vão colaborar com a saúde do bebê, até que ele possa ser vacinado.
Pesquisadora dos benefícios do aleitamento, a professora da escola de medicina Icahan do Hospital Monte Sinai, em Nova York, Rebecca Powell, está avaliando se os anticorpos presentes no leite materno também poderiam ter uma ação contra o novo coronavírus, visto que boa parte deles vêm do sangue. O estudo ainda está em andamento, mas conforme os resultados preliminares divulgados pelo grupo no começo de maio, é provável que existam, no alimento, anticorpos que atuem como protetores contra a Covid-19.
Powell e outros pesquisadores avaliaram 15 amostras de leite materno obtidas de doadoras que haviam sido contaminadas previamente com o Sars-Cov-2, nome dado ao novo coronavírus. Também avaliaram 10 amostras coletadas antes de dezembro de 2019, de mulheres que não se infectaram pelo vírus.
Do leite materno obtido depois de iniciada a pandemia da Covid-19, 80% das amostras apresentavam o anticorpo IgA, ou a imunoglubulina A. A principal função desse tipo de anticorpo é proteger o organismo humano da entrada de vírus ou bactérias por meio das mucosas. Das mesmas amostras, todas testaram positivo para o anticorpo na forma secretora (sIgA).
"No geral, os dados indicam que existe uma forte resposta imune à Sars-Cov-2 dominante em sIgA no leite humano após a infecção na maioria dos indivíduos, e que um estudo abrangente dessa resposta é altamente necessário", apontaram os pesquisadores nos resultados preliminares.
A pesquisa com o leite materno parte de um princípio semelhante ao do uso do plasma sanguíneo. Usar os anticorpos produzidos por outra pessoa como parte do tratamento de alguém que não teve contato com o vírus.
Leite materno contra a Covid-19
A presença dos anticorpos não significa que o leite materno, na forma pura, seria a solução para a Covid-19. De acordo com os pesquisadores no estudo, uma sugestão seria purificar os anticorpos presentes no leite, e então usá-los como parte do tratamento da nova doença.
"Os IgG [anticorpos imunoglobulinas G, responsáveis por uma proteção mais permanente contra vírus e bactérias] são originados principalmente do sangue. Assim, uma resposta do anticorpo reativo ao Sars-Cov-2 seria esperada. No entanto, o IgG compreende apenas 2% dos anticorpos no leite, com a maioria originada do tecido linfático associado às mucosas. A extensão da resposta imunológica do leite contra o Sars-Cov-2 é, portanto, desconhecida. Talvez mais significativo seja o fato de que os anticorpos do leite possam ser purificados e usados no tratamento contra a Covid-19, dado que provavelmente seriam da classe secretora e altamente resistentes à degradação proteolítica no tecido respiratório", explicam.