Aumento do volume das mamas, aparecimento de pelos pubianos, aumento dos testículos e crescimento do pênis: todos nós passamos pela puberdade. Lembrar disso nos faz voltar à época dos nossos 14 anos, não é? Contudo, quando essas mudanças se iniciam antes das meninas completarem 8 anos e dos garotos 9 anos, podem acarretar consequências prejudiciais, sejam elas físicas ou emocionais.
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Da estagnação do crescimento, que leva à baixa estatura, até mesmo a problemas psicológicos que podem acompanhar a pessoa até a vida adulta, a antecipação da puberdade ocorre quando os hormônios sexuais, produzidos pelos ovários e testículos, são ativados e liberados através do sistema nervoso central antes do tempo ou quando o organismo libera hormônios como testosterona e estrogênio, independente da produção pelo eixo central, explica a endocrinologista pediátrica Louise Cominato, mestre e doutora em pediatria.
Encontrada de forma mais comum entre as meninas, a produção dos hormônios, seja pelo sistema nervoso central ou não, segundo a pediatra e hebiatra Andrea Hercowitz, pode se dar por algum motivo desconhecido ou por ser uma consequência de outro problema de saúde, como paralisia cerebral, tumores no cérebro, no ovário ou na adrenal, como também em virtude de outras doenças, como hiperplasia adrenal congênita, síndrome de MacCune Albright e até mesmo pela exposição a esteroides exógenos.
“Plásticos e agrotóxicos podem ser responsáveis, agindo como disruptores (ou desreguladores) endócrinos, ou seja, interferindo no sistema responsável pela produção dos hormônios no corpo humano”, acrescenta Andrea, que é membro do Departamento Científico de Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo – SPSP e alerta sobre a exposição das crianças e jovens à tais componentes.
Além disso, atualmente também é perceptível um aumento do número de consultas por puberdade precoce, após a pandemia de Covid-19. “Mas ainda há discussão se isso é significativo quando se observa toda a população mundial. Poucos artigos foram publicados a esse respeito, mas já existem alguns estudos que sugerem isso em países como Brasil, China, Turquia e Itália”, destaca Andrea.
Diagnóstico precoce favorece o tratamento
E para identificar a chegada precoce da puberdade nos filhos, Andrea orienta aos pais que observem, em primeiro lugar, os sinais que o corpo da criança mostra, como o crescimento rápido – estirão – fora do momento esperado e “principalmente o aparecimento do broto mamário nas meninas e o aumento do volume dos testículos nos meninos”.
Assim, notando o desenvolvimento do corpo de sua filha de 7 anos, com a formação dos seios e aparecimento dos pelos pubianos, que Cláudia Maria Favretto, de 51 anos, desconfiou e buscou atendimento médico para a Beatriz, que foi diagnosticada dois anos mais tarde.
“A Bia sempre foi uma criança pequena. Assim, qualquer mudança que ocorresse no seu corpo era perceptível. E, de repente, começou a ter a pele exuberante, o corpo foi se desenvolvendo e as crises de rebeldia, normais dos adolescentes, começaram a surgir”, conta ela.
Por isso, reforça Andrea, as visitas rotineiras ao pediatra ou hebiatra e a observação dos sinais de entrada na puberdade são as recomendações para os cuidados em relação à puberdade precoce. E mais: "buscar hábitos saudáveis, controle e tratamento da obesidade, bem como exposição à disrruptores endócrinos pode contribuir para evitar que a puberdade se desenvolva antes do tempo", destaca Louise, que é coordenadora do ambulatório de Obesidade-FMUSP.
O quanto antes for diagnosticada a situação, melhores serão os resultados do tratamento. Para isso, pode ser utilizada uma medicação que bloqueia a puberdade até que a criança atinja a idade adequada para que ela aconteça, ou específico para o que desencadeou a puberdade, variando conforme cada caso.
“Na época nós não tivemos muitas opções de escolha, pois quando o medicamento foi fornecido, já havia ocorrido a menarca, por isso a menstruação não foi bloqueada”, destaca Cláudia, ao contar as dificuldades do tratamento que envolveram pediatra, endocrinologista e apoio psicológico.
Apoio familiar pode minimizar o impacto psicológico
Assim como no caso da Beatriz, se não diagnosticado e realizado o tratamento no momento certo, a puberdade precoce pode adiantar a menarca (primeira menstruação), assim como a espermarca (primeira ejaculação). “E, com isso, tende-se a uma estatura final da criança menor do seria a esperada pela estatura dos pais”, explica a hebiatra Andrea Hercowitz.
“Foi uma corrida contra o tempo!”, desabafa Cláudia, ao contar que Beatriz, quando foi diagnosticada, já estava com as falanges da mão se fechando e precisava correr para bloquear a puberdade e com isso ter um crescimento normal.
E com o amadurecimento prematuro do organismo, algumas crianças podem apresentar desconforto ou até mesmo vergonha dos seus corpos. Com isso, ela podem sofrer impactos psicológicos negativos, como transtornos psicossociais, sentimentos confusos ou de inferioridade. “Isso se justifica porque uma criança não tem recursos cognitivos e emocionais para lidar com as mudanças do corpo associadas a este período, principalmente relacionadas às alterações na imagem corporal”, explica Amanda Letícia Lima, psicóloga clínica especializada em atendimento infantil, infantojuvenil e familiar.
A puberdade, segundo a psicóloga, além de trazer alterações biológicas por ser um processo de transição da infância para adolescência, repercute na maturidade da criança, que é preparada para desenvolver e conquistar maior autonomia antes do tempo. “Com isso, ocorrem as mudanças repentinas e imprevisíveis de humor, podendo ser manifestadas através da agressividade e imposições que podem ou não ser inadequadas, já que representam a forma do adolescente expressar a insegurança e ansiedade diante das novas situações”, destaca Amanda.
Quando essas mudanças de comportamento são geradas pelas alterações hormonais, antes do tempo esperado, elas submetem as crianças a circunstâncias constrangedoras e vexatórias, tornando-as “diferentes dos colegas, já que, além de não ter concluído o desenvolvimento de suas emoções e dúvidas, terão o amadurecimento em períodos diferentes”, alerta a psicóloga.
Por isso, é de extrema importância que, além do acompanhamento pediátrico, os pais se informem a respeito do diagnóstico, tratamento e acompanhamento da criança, para minimizar os impactos psicológicos. “Os pais devem permitir e ter abertura ao diálogo com seu filho que está passando por um turbilhão de emoções, acolhendo seus sentimentos e explicá-los quando se fizer necessário”, conclui Amanda.
Foi assim, com acompanhamento psicológico e apoio familiar que Beatriz, hoje com 23 anos, além de alcançar a altura desejada para alguém da sua idade, também conseguiu superar as dificuldades impostas pela antecipação desse período.