A obesidade e o sobrepeso são fatores de risco importantes para o desencadeamento da diabete, especialmente a do tipo 2. Com o aumento no número de pessoas que se encaixam nestas categorias, uma força-tarefa de especialistas norte-americanos passou a recomendar que toda a população acima dos 35 anos e com sobrepeso passe por exames de diagnóstico da doença.
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Nos Estados Unidos, mais de 40% da população deveria ser testada, segundo estimativa do jornal New York Times. No caso do Brasil, dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019, divulgada ano passado, calculam que 96 milhões de brasileiros acima dos 18 anos estão com excesso de peso. Isso representa 60,3% da população.
Para os especialistas em diabete, a recomendação da testagem já era prevista, mas variava conforme o risco de cada grupo. Todos os adultos acima dos 45 anos, por exemplo, devem ser avaliados nos consultórios médicos. Caso o paciente apresente outro fator de risco, a triagem pode ser feita antes, a partir dos 30 anos.
Entre os fatores de risco que devem chamar atenção, estão:
- Obesidade;
- Histórico familiar de diabetes;
- Histórico de diabetes gestacional;
- Ovário policístico;
- Colesterol HDL ("bom") baixo;
- Triglicerídeos elevados;
- Hipertensão.
"Ou seja, todos [devem ser] testados aos 45 anos. Mas, na presença de fatores de risco, testaria mais cedo. [A testagem deve começar] até uns 30 anos, dependendo do número de fatores", explica Rosângela Réa, médica endocrinologista do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (SEMPR/HC/UFPR).
Segundo Réa, como a obesidade, sozinha, é uma característica de risco importante, o teste para buscar a diabete deve começar aos 35 anos. "Na pandemia, as pessoas se esqueceram que a diabete é grave e que tinham que se cuidar. Se começarmos a olhar para esses grupos mais jovens, pode ser que não faça o diagnóstico da doença em si, mas pode fazer de pré-diabete", destaca.
A concepção de risco muda, de acordo com a especialista, quando as pessoas passam da categoria "estou com excesso de peso" para "estou pré-diabético". "Pré-diabete tem outra conotação na vida das pessoas. E, embora tenha quem critique o termo porque não necessariamente a pessoa vá evoluir para diabete, o diagnóstico dá a chance de fazer o paciente saber o risco que ele corre", afirma.
Apesar de o tratamento do pré-diabete poder incluir medicações, a mudança no estilo de vida, com a inclusão de atividades físicas regulares, é a principal recomendação dos especialistas.
Diabetes: metade desconhecida
Cerca de 90% das pessoas com diabete são do tipo 2 da doença, segundo dados da Sociedade Brasileira de Diabetes. Além de se manifestar mais tarde na vida — ao contrário do tipo 1, que normalmente é diagnosticado na infância —, a diabete tipo 2 está relacionada a uma resistência do organismo à insulina, hormônio necessário para "pegar" o açúcar circulante no sangue.
Sem essa ação, a glicemia (açúcar em circulação) se mantém alta, gerando uma série de problemas que podem não causar sintomas no início. Isso colabora para que metade dos diabéticos não saiba que eles têm a doença — até que as consequências apareçam.
"A diabete tipo 2 é assintomática na grande maioria das pessoas nos primeiros 5 a 10 anos. Então, tem muitas pessoas com diabetes tipo 2 que nem sabem, e a estimativa é que realmente seja cerca de metade delas", calcula André Vianna, médico endocrinologista, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes — Regional Paraná e diretor do Centro de Diabetes Curitiba.
Segundo o especialista, é comum que o diagnóstico venha por exames de rotina do paciente, mas há casos em que a doença só é descoberta a partir das complicações. "A glicose, quando está um pouco alta, não gera sintomas. Mas, em níveis extremos, o paciente começa a ter muita sede, urinar bastante, aumenta o apetite, a visão pode ficar turva, mais embaçada, ou a pessoa emagrece sem explicação", lista Vianna.
Para Denise Franco, médica endocrinologista, esse risco das complicações justifica uma triagem da população mais precocemente. "Em uma doença como diabete, intervir e abaixar as glicemias, logo no começo, pode ter a remissão da doença em uma parcela dos pacientes. Conhecendo os fatores de risco, e interferindo precocemente, a doença pode evoluir de forma diferente", explica a especialista, que faz parte da diretoria da Associação Diabetes Brasil, e é coordenadora do departamento de Diabetes Tipo 1 Adulto da Sociedade Brasileira de Diabetes.
Cuidado com os olhos
Uma das principais — e mais temidas — complicações do diabetes é a retinopatia diabética, que pode levar à cegueira irreversível. Se a pessoa não fizer o controle adequado do açúcar no sangue, ou a glicemia, isso pode gerar alterações nos vasos que irrigam a região da retina nos olhos, fazendo pequenos sangramentos e a liberação de gorduras e proteínas.
Como consequência, o paciente passa a ter a área central da visão afetada, gerando uma visão embaçada ou turva. Outra alteração pode ocorrer na visão periférica, que vai aumentando com o tempo. Em um estágio mais avançado da doença, pode levar ao descolamento da retina.
"O paciente pode não perceber porque, às vezes, um olho começa a ser mais afetado e, como o outro está bem, a pessoa descobre por acaso, quando vai renovar a carteira de habilitação, que é obrigada a fechar um olho e depois o outro, ou por acaso ela coça um olho e vê por outro", detalha Arnaldo F. Bordon, médico oftalmologista, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo, e chefe do setor de Retina do Hospital Oftalmológico de Sorocaba.
Se os sintomas visuais se manifestam, Bordon alerta: a pessoa está convivendo há pelo menos uma década com diabetes descontrolado — em alguns casos sem nem saber que tinham uma doença, ou a outra.
"A retinopatia precisa de 10 anos de diabete para se manifestar. E o começo é silencioso, o paciente realmente não percebe. Pacientes com 20 anos de diabetes, 90% deles vão ter algum estágio da retinopatia. Com 25 anos de diabetes, cerca de 95% estarão em algum estágio", calcula.
O especialista ressalta, porém, que o cuidado com a diabete reduz os riscos de evolução da retinopatia. "Se o paciente que cuida bem desenvolver retinopatia, será de uma forma muito leve, e as chances de perder a visão reduzem", explica.
Segundo Bordon, um dos principais erros dos diabéticos é não buscarem o médico oftalmologista por acharem que, se não tiveram prejuízo na visão, deve estar tudo bem.
"As recomendações internacionais e nacionais indicam que o primeiro exame oftalmológico de um paciente com diabete deve ser feito, no caso do tipo 2, logo após o diagnóstico. Isso porque ele pode ter tido a doença silenciosa há mais tempo e só ter descoberto naquele momento. Para o tipo 1, como o diagnóstico é rápido, a recomendação do primeiro exame é que seja feito após 5 anos da doença", afirma o oftalmologista.