Boa parte do tempo que o adolescente norte-americano Matthew Simon tinha de fôlego e disposição durante o tratamento contra uma leucemia, ele passava andando pelos corredores da ala oncológica do hospital infantil da região de Bethesda, no estado de Maryland.
Como o jovem sempre foi fisicamente ativo, as caminhadas ajudavam. Caminhar, porém, não era o mesmo com o que estava acostumado, que era remar. E os fios do soro intravenoso que precisava manter presos ao corpo também não o ajudavam.
Quando recebeu da equipe médica uma bicicleta ergométrica, a rotina de exercícios mudou, mas também o humor, a disposição e, incrivelmente, Matthew não estava mais tão cansado quanto antes.
O tratamento contra a leucemia do jovem envolvia sessões de quimioterapia que, embora combatessem a doença, também o debilitam. Sintomas como cansaço, dores musculares, além de maior risco para depressão e ansiedade são comuns aos pacientes que passam por tratamentos oncológicos, especialmente no caso da quimioterapia.
"Um dos aspectos mais difíceis dessa experiência foi ver meu corpo deteriorar sob a quimioterapia. Quando você está confinado em um quarto de hospital, essa transformação acontece em uma velocidade estonteante. Em poucas semanas, meu corpo foi de fisicamente bom, visto que havia treinado durante todo o verão para começar na equipe de remo no outono, para uma forma esquelética do que eu era", relata Matthew em seu site.
Com o aparelho posto no quarto do hospital (que vinha ainda com uma tela de realidade virtual), Matthew passou das caminhadas pelos corredores às pedaladas ao "ar livre". "O cenário tornou o exercício mais divertido, envolvente e, em uma bicicleta ergométrica, eu pude cuidar do meu corpo mais do que eu poderia com as voltas que eu dava pelos corredores", explica o jovem, que hoje vive sem leucemia.
Matthew sabe, no entanto, que ele foi privilegiado em ter acesso à bicicleta e atualmente luta para que outros hospitais com alas oncológicas para crianças tenham os aparelhos disponíveis. Para tanto, ele criou a Fundação Bike to Fight, ou Bicicletas para Lutar, em tradução livre.
"Hoje estou em terapia e sentindo que sou eu mesmo de novo. Sem dúvidas devo a minha vida ao cuidado médico incrível que tive o privilégio de receber logo após o diagnóstico. Mas, também acredito que pude me manter fisicamente e mentalmente forte conforme me exercitava durante o tratamento", diz Matthew.
O objetivo da fundação, conforme informações divulgadas no site da instituição, é arrecadar dinheiro suficiente para adquirir bicicletas ergométricas – como as que Matthew teve acesso – e doá-las aos hospitais que tenham atendimento oncológico pediátrico. Cada uma das bicicletas custa, em média, US$ 7 mil, algo em torno de R$ 32,5 mil.
Até o momento, a fundação conseguiu enviar bicicletas para cinco hospitais nos Estados Unidos.
Exercícios contra o câncer
Embora hoje os exercícios físicos sejam reconhecidos como parte da prevenção e mesmo do tratamento de diversas doenças, não era essa a visão há 10 anos no campo da oncologia.
O consenso entre os médicos oncologistas costumava ser de que o paciente com câncer deveria, sempre que possível, guardar as energias para o combate da doença. Fazer exercícios físicos, portanto, era uma atitude desaconselhada.
Em 2010, uma coalizão global, encabeçada pelo Colégio norte-americano de Medicina Esportiva, atualizou as diretrizes que indicavam os exercícios para pacientes que haviam passado por tratamentos contra o câncer.
Dados de pesquisas que analisaram a resposta de sobreviventes do câncer de mama e próstata diante da prática física mostraram que o exercício era, em geral, seguro e bem tolerado tanto durante quanto depois do tratamento, e poderia trazer benefícios para a saúde do paciente.
Além da melhora no aspecto físico do paciente, os exercícios tendem a ajudar na funcionalidade do organismo, na qualidade de vida e na fadiga relacionada à doença.
Na época das novas diretrizes, não se sabia exatamente quais exercícios e, com qual intensidade e frequência, poderiam ser indicados. Um estudo publicado em novembro de 2019 na revista "Medicine & Science in Sports & Exercise" trouxe essa resposta.
- Treinamentos aeróbicos (corridas, caminhadas, natação, etc.) de intensidade moderada: pelo menos três vezes por semana, por ao menos 30 minutos, entre oito a 12 semanas, pelo menos.
- Esses treinos se somam a treinamentos de resistência feitos por, ao menos, duas vezes por semana, com ao menos duas séries de oito a 15 repetições.
"Programas de exercícios que prescrevam apenas o treinamento resistido são também eficazes na melhora dos resultados relacionados à saúde, embora para alguns resultados específicos, como sintomas depressivos, a evidência é insuficiente", destacam os pesquisadores no artigo.
De acordo com João Soares Nunes, médico oncologista clínico do hospital Erasto Gaertner, de Curitiba, a redução de sintomas decorrentes do tratamento, especialmente da quimioterapia, são apenas uma parte dos benefícios dos exercícios.
"Para alguns tipos de câncer, o exercício também melhora o prognóstico, e a chance de sobrevida do paciente. Especificamente o câncer de mama. [Estudos] têm mostrado que o benefício no tratamento é significativo, equivalente a alguns dos tratamentos, como medicamentos, disponíveis, que reduzem o risco de o câncer voltar no futuro", explica o especialista.
Em pacientes mais jovens, crianças e adolescentes estão em risco, depois do tratamento oncológico, de terem prejuízos no crescimento e desenvolvimento, por alterações hormonais. "A atividade física não só reduz esses quadros, como diminui as complicações", reforça.
Um corpo que se mantém ativo também favorece o sistema imunológico. E, com isso, reforça as células de defesa no combate da doença, caso ela volte a se manifestar no futuro.
Quimioterapia e o coração
Um dos efeitos colaterais não tão conhecido, mas ainda assim importante, do tratamento oncológico, é a interferência das terapias na saúde do coração. Tanto a quimio quanto a radioterapia podem levar a lesões e problemas cardíacos mesmo anos após o tratamento ter finalizado.
"A prioridade é o tratamento do câncer do paciente, mas às vezes isso pode levar a problemas no coração. O efeito tóxico da radio e da quimioterapia é chamado de cardiotoxicidade", explica Miguel Morita, médico cardiologista e pesquisador da Quanta Diagnóstico por Imagem, de Curitiba, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e diretor científico da Sociedade Paranaense de Cardiologia.
Conforme o especialista, a quimioterapia está mais comumente associada ao surgimento de uma doença específica: a insuficiência cardíaca.
"Ela se manifesta por alguns sintomas, como a falta de ar fora do normal, fora do que é apenas um cansaço relacionado à quimioterapia. Às vezes a pessoa não consegue deitar pela falta de ar, porque os pulmões enchem de líquido. Há também inchaço nas pernas. E em alguns casos os sintomas se confundem com os efeitos da quimioterapia e só uma avaliação direta com o médico consegue diferenciá-los", aponta Morita.
Os efeitos danosos ao coração associados à quimioterapia podem surgir durante o primeiro ano após o tratamento, ou mesmo depois desse período.
No caso da radioterapia, um dos sintomas que podem surgir entre cinco a 10 anos depois do tratamento é a angina. A condição se manifesta em dores no peito ou sensação de peso ou pressão enquanto a pessoa caminha.
"A radioterapia, às vezes, não causa nenhum efeito imediato no coração, mas pode ter uma manifestação tardia. Eu chamaria atenção para pessoas que, quando jovens, tiveram um linfoma e trataram com radioterapia no tórax. Na fase tardia, é importante que faça uma avaliação ou, pelo menos, valorize qualquer sintoma que apareça", reforça o cardiologista.
Para evitar prejuízos cardíacos, a recomendação do especialista é que o paciente busque orientação médica da área antes, durante e após os tratamentos oncológicos. O alerta é ainda mais importante em alguns grupos de pacientes, como:
- Quem já passou por alguma doença cardiovascular, como infarto;
- Idosos;
- Hipertensos;
- Quem já passou por outro tratamento oncológico antes e apresentou cardiotoxicidade.
"Existem formas de prevenção. Uma é monitorar de perto os efeitos potenciais do tratamento no coração. Algumas medicações podem ajudar a controlar a piora. Ao detectar a piora mais cedo, pode-se indicar um tratamento que evite que o quadro se torne mais grave ao coração", reforça Morita.
Com relação aos exercícios físicos, não há evidência científica clara, conforme o especialista, de que as atividades possam atuar contra a cardiotoxicidade. Isso não significa, no entanto, que eles não sejam benéficos.
"Ao melhorar os sintomas como a parte óssea, força, redução da fadiga, sintomas de ansiedade, depressão e melhora na qualidade de vida, os exercícios físicos podem fazer com que ajude no tratamento da insuficiência cardíaca. Quando o corpo enfraquecido desenvolve a cardiotoxicidade, a manifestação vai ser pior do que se fosse em um corpo mais preparado", finaliza Morita.