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O almoço em família está animado. As crianças brincam, os tios conversam e os avós aproveitam o momento com todos os filhos e netos perto deles. No entanto, no meio da refeição, alguém começa a falar das novas crenças religiosas que passou a seguir, é acompanhado por outros parentes que estão frequentando a mesma igreja e, juntos, insistem em apontar falhas e questionar a fé dos demais. Aos poucos, o tom de voz de todos aumenta, a situação foge do controle e as pessoas começam a sair da mesa, irritadas.

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Essa foi a situação que afastou por um tempo o representante comercial Claudnei Lafraia, de 55 anos, dos seus familiares. “Eles ficavam insistindo que eu, minha esposa e filhas seguíssemos a mesma denominação evangélica que eles, e não falavam de outra coisa”, recorda o curitibano, que frequenta a Igreja Católica e não queria ouvir críticas a respeito de sua fé. “Aquilo nos atingia muito e chegou ao ponto de, durante uma refeição de família, eu falar que não iríamos mais frequentar a casa enquanto eles não parassem de nos questionar”.

De acordo com o filósofo e doutorando em Antropologia Valdecir Ferreira, a situação vivida pelo representante comercial é mais comum do que se imagina e ocorre, principalmente, quando alguns membros da família deixam a religião que seguiam tradicionalmente. “Em uma situação assim, os familiares podem ter dificuldade para aceitar a mudança, então as discussões começam e, aos poucos, os vínculos são cortados”, explica o especialista, que atua como professor de Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), em Londrina.

“Os familiares podem ter dificuldade para aceitar a mudança, então as discussões começam e, aos poucos, os vínculos são cortados”, explica o especialista.

No caso da auxiliar veterinária Patricia Regina da Costa, de 34 anos, o distanciamento ocorreu logo que contou aos parentes a respeito de sua decisão. “Foi um choque para eles porque não aceitavam o fato de eu ter me tornado muçulmana depois de seguir a fé católica por tantos anos”, relata a moradora do Rio de Janeiro, que passou a aceitar os ensinamentos do islamismo há cinco meses.

Segundo ela, sua família – composta por católicos e protestantes – não abriu espaço para explicações a respeito de sua nova crença e nem se esforçou para entender os motivos que a levaram para a nova fé. “Então, acabei me distanciando para evitar mais discussões e ataques à minha religião”, lamenta a carioca.

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Ferreira afirma que situações como essa poderiam ser evitadas se os membros da família trocassem julgamentos por respeito e acolhessem aqueles que têm opiniões diferentes. “O interesse pela pessoa deve ser maior que os interesses religiosos”, afirma o professor, que também sugere a realização de um exame de consciência quando algum membro da família muda de religião. “Afinal, o que faltou da minha parte para que essa pessoa não permanecesse em nossa comunidade de fé?”, questiona.

E como retomar os vínculos?

Além de analisar as atitudes que possam ter contribuído para a mudança, o filósofo sugere que as famílias que perderam vínculos por diferenças religiosas esqueçam o que os separa e pensem em tudo que os une. O principal desses elos, segundo ele, é o sangue que corre pelas veias de todos, mas também há gostos em comum, objetivos parecidos e boas lembranças vividas. Ao pensar em tantas semelhanças, será possível aproveitar as oportunidades de reaproximação e restaurar os vínculos, assim como ocorreu com o curitibano Claudnei Lafraia.

“O interesse pela pessoa deve ser maior que os interesses religiosos”, afirma Ferreira.

Depois de permanecer afastado dos familiares evangélicos por quase três anos, os encontros em família voltaram a ocorrer, aos poucos. “Eles começaram a nos respeitar”, conta o paranaense, que viu no “tempo” a chave para restabelecer os relacionamentos. “Percebi que é necessário ter paciência para saber se a mudança religiosa é algo de momento ou se vai criar raízes profundas. E isso sem criticar a escolha do outro”, afirma.

De acordo com o professor Valdecir Ferreira, a melhor maneira de conseguir isso e ainda evitar novas rupturas é praticando a tolerância e abrindo espaço para o diálogo. “Uma boa convivência é aquela que dá abertura para falar de tudo, desde que esse ‘tudo’ esteja acompanhado de profundo respeito”, pontua. “Afinal, uma verdadeira religião não condena a outra”, garante.

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