Imagem: divulgação/capa do livro C.S. Lews - The Man Behind Narnia.| Foto:

Setenta anos atrás, em setembro de 1947, a capa da prestigiada revista norte-americana Time trazia o rosto de uma personalidade bem diferente do usual. Nada de políticos, como o líder francês Charles de Gaulle ou o diplomata soviético Andrei Gromiko, nem esportistas como o jogador de beisebol Jackie Robinson ou o tenista Jake Kramer – rostos que estamparam a capa da Time naquele ano. Naquela edição, a estrela foi o escritor C. S. Lewis, um acadêmico, pregador e ensaísta cristão – e isso três anos antes da publicação de O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, primeira parte de sua obra de maior sucesso, As crônicas de Nárnia. Abaixo do seu nome, a legenda: “Sua heresia: o cristianismo”.

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A capa reflete o imenso sucesso que Lewis, um irlandês vivendo na Inglaterra, tinha conquistado nos Estados Unidos naquela década, reapresentando a fé cristã com um novo frescor a uma sociedade que já tinha domesticado demais o cristianismo. Ateu até os 31 anos de idade, Lewis abraçou a fé cristã em 1929, sob a influência dos escritores J. R. R. Tolkien, autor de O Senhor dos Anéis e seu amigo, e G. K. Chesterton. Quando saiu na capa da Time, Lewis já tinha publicado algumas de suas mais importantes obras sobre o cristianismo, como O problema do sofrimento (1940), Cartas de um diabo a seu aprendiz (1942), A abolição do homem (1943) e três livros que depois se tornariam um só com o nome de Cristianismo puro e simples (1942, 1943 e 1944).

Por que C. S. Lewis é uma unanimidade entre evangélicos e católicos?

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Agora, a editora Thomas Nelson Brasil está republicando cinco obras clássicas de Lewis em edições caprichadas, com capa dura e nova tradução. Gabriele Greggersen, considerada a maior especialista em C. S. Lewis do Brasil, assina a tradução de três delas. O Sempre Família conversou com ela e perguntou: quais as grandes contribuições do pensamento de Lewis que podem ajudar a revitalizar o cristianismo hoje? Greggersen elencou sete insights do escritor que valem a pena ser revisitados. Confira:

 

  1. O cristianismo como uma grande casa com saguão de entrada comum

“Lewis viu o cristianismo como uma grande casa com saguão de entrada (e eu acrescentaria um teto) comum. Essa afirmação está no que considero o maior clássico de Lewis: Cristianismo puro e simples. O cristianismo hoje está separatista e gregário, sendo que cada igreja levanta a sua bandeira, fazendo proselitismo, sem diálogo com as outras e, pior, se achando melhor que as outras e a detentora da verdade cristã. Algumas vertentes chegam a desconsiderar as outras sequer como cristãs e salvas em Jesus Cristo. Lewis defendia um só cristianismo, que tem espaço para várias expressões. Esse é um discurso bem contemporâneo e, se for atendido, representa uma chance de tornar a igreja mais relevante nos dias de hoje.”

 

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  1. O mundo como um “território ocupado pelo inimigo” – mas um inimigo derrotado

“Essa ideia também está em Cristianismo puro e simples. Muitas igrejas acham que o mundo é do diabo, no sentido de que ele é dono legítimo da terra e, portanto, veem-no em tudo. Considero o maniqueísmo que está por trás dessa ideia uma das heresias mais comuns nas igrejas, tanto nas fundamentalistas, quanto nas mega-igrejas. E tal maniqueísmo entra pela porta da frente, não é nem pela dos fundos, invadindo desde a escola dominical até a música cantada pelos fiéis. Já para Lewis, o mal está nesse mundo de uma maneira usurpada e provisória, pois Cristo estava lá muito antes da Queda, mais precisamente desde antes da fundação do mesmo e ele já é vitorioso, portanto, vai voltar e tomar de volta o que lhe é por direito. Assim, não devemos dar-lhe importância demasiada ao diabo (aliás, nem de menos, como Lewis comenta no prefácio de Cartas de um diabo a seu aprendiz), mas vê-lo como é: o subordinado e derrotado de Deus.”

 

  1. O sofrimento como o megafone de Deus

“Essa é uma das frases mais citadas de Lewis, que vem de um dos seus clássicos, O problema do sofrimento. Muitos na época de Lewis, e na nossa ainda mais intensamente, perguntam-se: se Deus existe, por que ele permite o mal? E esse é um dos motivos porque muitos deixam de frequentar as igrejas e se declaram ateus ou sem religião nos dias de hoje. Mas Lewis tem uma resposta muito clara para isso: o sofrimento é um meio de comunicação de Deus conosco. Na época da tranquilidade, costumamos nos deitar em berço esplêndido e não sair da zona de conforto. Em O problema do sofrimento, ele dizia ainda coisas admiráveis como: ‘Tente excluir a possibilidade de sofrimento que a ordem da natureza e a existência do livre-arbítrio envolvem, e você descobrirá que excluiu a própria vida.’ As igrejas de hoje, ao invés de tratar do sofrimento, camuflam o mesmo, fazendo de conta que ‘crente não tem problema, só solução’. Então vira um faz-de-conta, em que se fala apenas de sucessos e vitórias e nunca de real sofrimento. E quando o problema surge e a solução não é dada imediatamente, as bases são abaladas, todos ficam perplexos e muitos se desviam. Lewis nos dá alternativas bíblicas para lidar com o sofrimento, encarando-o de frente e vendo sentido nele.”

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  1. A imaginação como complemento da razão para a compreensão da realidade

“Essa ideia de um artigo menor de Lewis (em Blusphels and Flalanferes, de Selected Literary Essays) é fundamental para entendermos sua filosofia e até a sua teologia, pois sem imaginação as coisas deixam de ter sentido e quando estão desprovidas de sentido são carentes de vida, insossas e vazias, com cheiro de morte. E esse cheiro de morte paira em muitas igrejas de hoje. Da mesma forma que Paulo nos convida a exercer nossos dons no corpo de Cristo, podemos acrescentar que isso não é feito sem a imaginação. Criatividade é o sangue que mantém o corpo vivo. Da mesma forma não existe fé sem imaginação. A oração, por exemplo, é a expressão máxima da imaginação. Quando falamos com Deus, temos que dialogar com alguém invisível aos nossos sentidos e inconcebível, em sua plenitude, à nossa razão. Então temos que criar uma imagem dele. Não há coisa maior para se imaginar do que Deus.”

 

  1. O amor-caridade como o único tipo de amor isento de virar um demônio e como a chave para a verdadeira aproximação de Deus
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“Em Os quatro amores, Lewis estabelece que, exceto a caridade, todos os outros três amores (afeição, amizade e eros), menos um, podem ser exagerados e então viram demônios porque viram deuses. Numa época em que os amores são exaltados como o próprio Deus, principalmente o eros – todos menos o amor verdadeiro, que é a caridade –, essa mensagem é muito relevante para reavivar igrejas que perderam seu primeiro amor e fazê-las voltar a atrair as pessoas. O amor é a chave para a (re)aproximação de Deus, pois, para início de conversa, foi por causa dele que o homem, e por sua vez o mundo, foram criados. ‘Nós amamos porque ele nos amou primeiro’ (1Jo 4:19), diz a Bíblia. Essa é a ideia central.”

 

  1. A ética como conjunto de valores universais

“Em A abolição do homem, Lewis defende os valores universais, provando que eles existem, citando provérbios de origens diferentes no tempo e no espaço que dizem as mesmas coisas sobre como viver a vida. Numa época em que o relativismo e o subjetivismo são tão fortes que até quem se diz cristão afirma que não existe ‘a verdade’, mas apenas ‘verdades’ (coisa que já virou um clichê que as pessoas tagarelam sem pensar muito sobre o assunto), essa mensagem é uma lembrança crucial. O relativismo e subjetivismo, que pensam que não existe realidade objetiva, somente a fabricada pelos sentidos ou pela sociedade, são pragas muito atuais. Um exemplo disso é a ideologia do gênero, que questiona a existência objetiva do gênero e a atribui a um constructo social. Mas atenção: Lewis também não era absolutista. Ele acreditava na subjetividade e relatividade das coisas, mas apenas em relação dinâmica com a objetividade e o absoluto. Para ele, dizer que ‘tudo é relativo’ é uma contradição em termos. Mais acertado seria dizer que ‘quase tudo é relativo’.”

 

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  1. Os desejos que temos como prova de que não fomos feitos para esse mundo

“Esse pensamento recorrente em Lewis é o fio condutor de Surpreendido pela alegria, sua autobiografia. Ali, ele chama o desejo também de joy (alegria) e o equivale ao Sehnsucht da terminologia filosófica. Mas é mais uma vez em Cristianismo puro e simples que encontramos a frase-chave: ‘Se eu encontrar em mim mesmo um desejo que nenhuma experiência neste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que eu fui feito para outro mundo’. Ele explica que se temos o desejo de comer, é porque há comida; de beber, porque há bebida; de ter sexo, porque ele existe. Mas o desvio de desejos para coisas que não são Deus, principalmente as materiais e as fúteis, é a maior especialidade de Satanás. E muitas igrejas entram nessa, quando prometem satisfação de desejos materiais e de poder e sucesso profissional. Acho que esse pensamento também é fundamental para arrancar essas igrejas da teologia da prosperidade e de seu equívoco teológico e ético.”

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