Faça um exercício simples e reflita: quando foi a última vez que você sentiu compaixão? Dê um passo adiante e pergunte-se, e autocompaixão? Você já se permitiu sentir essa dor?
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Em um mundo onde a urgência é vitrine para tudo – de trabalho a relações –, tirar um tempo para olhar para si parece contraditório, mas também urgente. O processo – desafiador para boa parte da sociedade –, é ainda mais trabalhoso para a figura materna, um papel tão admirado quanto, muitas vezes, solitário.
Dúvidas, receios, cobranças e culpas perambulam nesse universo sagrado da maternagem. O estereótipo, que por anos foi mantido, da mãe sempre feliz, satisfeita e segura de suas atividades junto aos filhos, ainda é uma grande barreira inconsciente para a autocompaixão na maternagem.
Mas é urgente a necessidade de abandonar os velhos conceitos. Eles já não cabem mais nesse mundo em que vivemos. Na verdade, nunca couberam, mas a imposição de muitas crenças nos limitou a idealizar um cenário romântico sobre a maternagem.
Na prática, o processo de maternagem envolve sofrimento, dúvidas e dor, um retrato legítimo de compaixão. E aqui, vale um esclarecimento cirúrgico sobre compaixão e autocompaixão.
Compaixão é a base da inteligência emocional. É por meio dela que desenvolvemos habilidades socioemocionais tão necessárias e requisitadas atualmente em todos os sentidos da vida.
Entende errado aquele que pensa que compaixão seja sentir pena de si mesmo; ou aceitar tudo e tornar-se passivo diante de situações complexas; ou ainda entender esse sentimento como fraqueza.
Talvez uma das interpretações mais errôneas a respeito desse conceito, esteja ligado à condição de relacionar compaixão ao egoísmo. Longe disso. Pessoas autocompassivas demonstram cuidado e empatia com os outros, mas para cuidar do outro é preciso cuidar de si. Portanto, autocompaixão é fundamental!
A essa altura você deve estar se questionando, como desenvolver autocompaixão? Eu te respondo: um dos caminhos é o treino! Compaixão é habilidade e, como tal, pode ser desenvolvida.
Neste sentido, a prática de mindfulness orientada para desenvolver a compaixão permite o despertar da consciência do próprio sofrimento e do alheio sem julgamento ou crítica e nos leva a encontrar soluções mais lúcidas para problemas do cotidiano, a reduzir a autocrítica e a culpa excessiva. Mais do que isso, nos permite diálogos mais gentis – conosco e com o próximo.
A prática não é tábua de salvação. Pelo contrário, requer comprometimento, frequência e dedicação. Contudo, é uma ferramenta de autocuidado genuína, que, entre outras atribuições, nos auxilia a mergulhar em um processo de autoconhecimento, reconhecimento de emoções e aprendizado de como lidar com a dor, a culpa, a cobrança de uma forma mais assertiva e promovendo mudanças para uma melhor qualidade de vida e bem-estar.
Um olhar compreensivo para novos tempos nos traz também a possibilidade de uma releitura sobre nós mesmos e nosso lugar na sociedade.
A compaixão em mindfulness transforma solidão em solitude e, novamente estabelecendo um paralelo dentro dessa trilha de maternagem, contribui para entender vivências, medos, culpas e tantos outros sentimentos que, muitas vezes, imobilizam para a tomada de decisão plena e consciente.
*Dr. Marcelo Demarzo é médico formado pela USP e pós-doutorado em Mindfulness pela Universidad de Zaragoza, fundador do Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde – Mente Aberta e Professor da UNIFESP.