Amanda Milleo
O vapor denso e adocicado que emana dos narizes e bocas de quem faz uso do cigarro eletrônico é perfeito para quem quer fazer fotos ou vídeos e publicar em redes sociais, especialmente o Instagram. Tanto que, em 2019, não houve quem não se deparasse com essa imagem nos feeds com frequência.
Mais assustador, no entanto, é a idade das pessoas que fazem uso do dispositivo. Jovens, especialmente adolescentes, estão frequentemente entre os usuários – em alguns casos estimulados pelos próprios pais, que desconhecem o real perigo dos cigarros eletrônicos para a saúde e acham se tratar apenas de “fumaça”.
Um dos motivos para tanto está na incerteza das causas da doença pulmonar misteriosa, nomeada EVALI, que acumula, até o início de novembro, 2.051 doentes e 39 mortes nos Estados Unidos. Apenas neste mês o Centro de Controle de Doenças norte-americano (CDC) divulgou que o possível culpado poderia ser o uso do acetato de vitamina E nos aparelhos de cigarro eletrônico.
A substância é um aditivo e espessante usado na composição do juice, ou o sabor que mais tarde é inalado, e foi encontrada nos pulmões de praticamente todos os que desenvolveram a doença.
No Canadá, pelo menos um caso foi registrado e, ainda em novembro, a Argentina também alertou para um homem com os mesmos sintomas, que fazia uso do cigarro eletrônico. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu um alerta para todos os hospitais e clínicas no Brasil ficarem atentos a casos semelhantes.
“Os pais acham que é uma coisa inócua, e não é. O cigarro eletrônico é uma porta de entrada, porque a pessoa passa dele para o narguilé e para o cigarro comum. É um grande problema. É só mais uma maneira de colocar a nicotina na rotina da pessoa“, explica Irinei Melek, médico pneumologista, presidente da Associação Paranaense de Pneumologia e Tisiologia, e preceptor de Pneumologia do hospital Angelina Caron. “Os pais acham que o produto tem zero nicotina, mas não tem. E as outras substâncias presentes, como propilenoglicol, glicerina, são substâncias que vão diretamente para o pulmão”, diz.
Sinais de alerta
Caso os pais desconfiem que os filhos estejam fazendo uso do cigarro eletrônico longe deles, como no intervalo da escola ou em encontro de amigos, por exemplo, alguns sinais podem ajudar. Confira as sugestões do médico pneumologista Irinei Melek para ficar atento:
- Cheiro adocicado nas roupas ou no quarto do jovem, que não existia antes.
- Cheiro de maconha (nos Estados Unidos, parte das pessoas diagnosticadas com o EVALI misturava maconha com a nicotina do cigarro eletrônico).
- Aparelhos diferentes entre o material escolar do adolescente: alguns vapes se assemelham a pen drives, por exemplo.
- Tosse persistente.
- Falta de ar.
- Secreção.
- Sintomas de resfriado ou gripe que não passam.
- Pigarrear.
- Exacerbação de doenças que o adolescente já tenha, como asma e rinite.
Converse com seu filho
Se desconfiar, ou tiver certeza, que o filho se tornou um vaper (termo que designa a pessoa que faz uso do cigarro eletrônico), os pais têm algumas opções de abordagem. Conforme explica Bruno Jardini Mader, psicólogo do hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, a primeira orientação deve ser como seria com qualquer outra droga: sem demonizar a atitude, mas também não deixar de ser firme.
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“Por alguma razão, o adolescente viu algum benefício na possibilidade do uso da substância. Em algum momento os pais devem pensar: qual é esse benefício que meu filho pretende ter com o cigarro eletrônico? E a partir de então pensar na intervenção”, explica o psicólogo.
Caso os pais percebam que o uso é mais recreativo, eventual e fruto de uma curiosidade do adolescente, vale pensar em alternativas de lazer para o filho. “Os pais devem pensar em quais opções o adolescente tem para se autoafirmar ou para se autoconhecer. Por que, nesse momento, ele precisou fazer uso do cigarro para sentir tudo isso?”, questiona Bruno.
Não demonize o cigarro eletrônico
Demonizar a escolha do adolescente afirmando que o objeto pode trazer doenças graves, como câncer, pode não ser a melhor opção. Segundo o psicólogo, essa abordagem usa de uma realidade que o adolescente não vive, porque na experiência do jovem, o cigarro eletrônico não está fazendo mal. Pelo contrário, está fazendo com que ele pareça mais popular e com amigos – o que, para ele, isso é fazer bem.
“Não significa que os pais não vão dizer que não tem riscos. É necessário explicar os malefícios à saúde, mas ficar só nisso não é suficiente”, explica Bruno. Criar hipóteses sobre os motivos que levam o jovem a aderir ao dispositivo, sem ouvi-lo, também não dará resultado.
“Uma conversa franca é necessária, onde o pai pode falar que não quer isso se repita, que o cigarro eletrônico faz mal, e pode impor algo como ‘você ficará sem o celular’, caso use isso novamente. Nessa conversa, o pai deve tentar escutar o filho e pensar que se essa é alternativa ruim para a saúde dele, quais alternativas são boas, e construir com ele novas possibilidades”, reforça o psicólogo.
Contradições
Impor ao filho escolhas que nem os pais são capazes de fazer também não é uma opção justa, conforme lembra o psicólogo. “É sempre importante que os pais olhem para dentro das famílias e notem as contradições. A adolescência é uma fase de questionamento das normas, e eles vão querer entender por que o pai bebe ou fuma, mas ele não pode”, diz ele. “Os pais têm que pensar antes nesses motivos, de por que eles fazem esse uso, e como ele vai mostrar para o adolescente os motivos e os riscos que ele assume”, reforça Bruno.
Expor as fragilidades dos pais não fará com que o filho as siga, mas pelo contrário. Ele pode, a partir disso, questionar as próprias.
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