Ao assumir a condição humana de mãe falível, é possível reencontrar o prazer da maternidade e se ajustar à uma nova dinâmica de relacionamento com filho agora adolescente.
O constrangimento da imperfeição
Já me senti cansada de ser de mãe de adolescente muitas vezes. Já quis jogar tudo para o alto e ser só eu, sem obrigação de cuidar de ninguém a não ser de mim mesma. Já quis recuperar a liberdade de escolher o que gosto de acordo com minha exclusiva vontade e hora. Ser mãe de adolescente me despertou tudo isso... e muito mais.
Siga o Sempre Família no Instagram!
Já me culpei várias vezes de desejar "tudo isso". De me enxergar egoísta e egocêntrica. De me ver cansada das responsabilidades que, diga-se de passagem, eu mesma escolhi assumir quando me tornei mãe.
Lidar com o meu pior me aturdia; me deixava dividida entre ser quem, de fato, sou e quem eu deveria ser. Em uma sociedade onde mãe é cultuada como uma espécie superior e perfeita, evidenciar minhas imperfeições me constrangia e me incutia peso extra ao exercício da maternidade.
Repensando o papel de mãe de adolescente
No mundo real, ser mãe cansa, "suga a alma", costumava dizer. Diferente da ideia romanticamente divinizante, exercer a maternidade se mostrou exercício exaustivo e angustiantemente humano.
Apesar disso, a assumi na prática convencida de que, mantendo o controle de tudo, filho continuaria me enxergando especialmente divina. Perpetuei a idealização de mãe onisciente e infalível fazendo tudo parecer perfeito e certeiro.
Em todas as situações; inclusive nas piores e mais duras; até quando nem tudo era fácil ou simples. Assim acreditava corresponder à missão de ser mãe com maestria. Tornei-me mãe de adolescente e aí, a lente e a prática mudaram. Radical e definitivamente. Para sempre.
O pedestal imaginário onde me colocara começou a ser desafiado. As verdades de mãe, até então absolutas, idem. A imagem de mãe perfeita foi se tornando um fardo, peso difícil de sustentar.
Cansada, quis desistir e confesso: por um período, joguei a toalha. Tudo parecia muito esquisito e perturbador. Precisava entender a nova fase iniciada. Larguei as cobranças, as discussões e as expectativas de um filho obediente e seguidor de regras.
Era hora de refletir sobre o novo estágio deste papel de mãe. Não mais de criança; agora de adolescente. A divinização construída e ratificada pelos anos iniciais não fazia mais jus ao novo ciclo. Tudo mudara; podia sentir.
Mãe e filho se redescobrindo
Lembro quando filho me abordou visivelmente ressabiado quase temeroso: "Que foi, mãe? Não te vejo mais me enchendo o saco, me cobrando tarefas, obrigações... você tá assim, sei lá... diferente..."
A mesma irritante frase-mantra, por tanto tempo razão de mágoa e depois de inspiração em minha experiência de mãe de adolescente, mais uma vez surtiu como alerta. Desta vez para meu estado de espírito.
Seu comentário sem jeito e notadamente investigativo me despertou para mais uma novidade sobre filho adolescente: ele não só está atento a mim como também nota – e sente – minha mudança.
Talvez por medo ou por interesse, não importa o motivo, fiz-lhe falta e minha ausência não passou desapercebida. A estranheza do meu comportamento o fez tentar me buscar de volta... independente de como sou.
Desejo renovado
Dissipada a lente da "divindade" de outrora, enfrentei os inquietantes sentimentos do desânimo e do cansaço, da irritação e da raiva, do medo e da angústia os assumindo como estados e emoções tipicamente humanos e angustiantemente reais inclusive – e especialmente – em mães de adolescente.
Recuperar o direito de ser imperfeita e de me reconhecer mãe vulnerável a sentimentos pouco louváveis, me reaproximou de filho agora adolescente. A relação expandiu e, como cumplices de uma transformação mútua, renovamos o desejo de continuar crescendo junto mesmo e a partir das inquietações trazidas pela nova fase... de ambos.
A redescoberta do ser mãe
Desapegar-me da "divindade" materna para assumir minha humanidade de errar e me cansar foi exercício assustador e doloroso mas trouxe benefícios inimagináveis. Além da experiência de conviver com filho adolescente – o que por si só já me bastaria – usufruir da fase foi um dos mais transformadores em minha vida.
De novo humana, quebrei paradigmas sobre a maternidade assumindo minhas fragilidades mas perseguindo meios de vencê-las e me aprimorar não só como mãe mas como adulto melhor para o mundo.
Nesta jornada de crescimento na humildade de contínua “aprendedora”, o maior e melhor resultado foi resgatar a essência da maternidade pelo prazer de ser mãe... também de adolescente.
A família cresce junto
Como parceira de filho adolescente nesta incrível jornada em família, sigo ainda repleta de dúvidas e angústias. Mais humana e cada vez menos divina, vou caminhando junto dele desfrutando da experiência de crescer com ele mais consciente de que a missão é vitalícia e feita de fases cada vez mais complexas.
Mãe da vida real, por vezes enfraquecida e cansada de um cotidiano realmente complicado e por isso desafiador, não penso mais em desertar. Por uma força concedida especialmente a mães, enxergo no esforço de formar – e ser – pessoa melhor que antes a divindade não de mães mas do exercício da maternidade como um todo.
À luz da nova fase, mudei mais uma vez: de toda aquela desconcertante fragilidade, hoje vejo o divino acontecer junto de filho. Apesar das e graças às inexoráveis tribulações humanas e necessárias mudanças pessoais, a família caminha e cresce... junto.
*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.