Apesar da gestação ser um momento de infinita alegria para os casais, considerada como um período de bem-estar emocional, já que a chegada da maternidade costuma ser um momento jubiloso na vida da mulher, o período perinatal não a protege dos transtornos do humor.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, uma em cada quatro pessoas passará por um transtorno mental no decorrer da vida. Contudo, algumas pessoas podem apresentar maiores propensões do que outras no acometimento do transtorno mental, seja em decorrência da genética ou de fatores ambientais e circunstanciais.
Um dos períodos mais vulneráveis é a gravidez e o pós-parto, que, segundo a psiquiatra Priscila Maistro, são períodos marcados por modificações fisiológicas e emocionais desafiadoras para a saúde mental da mulher. “A gestação não protege a mulher dos transtornos mentais. Transtornos psiquiátricos podem, inclusive, iniciar na gravidez, assim como quadros prévios podem persistir”, alerta a médica.
Isso porque ela entende que a descoberta do papel de mãe, as mudanças na imagem corporal, privação de sono, amamentação, mudanças na dinâmica do casal, aprendizados nos cuidados com o bebê e inseguranças quanto ao impacto na vida profissional demandam um esforço significativo de adaptação.
Prejuízo na saúde mental materna dificulta vínculo com a criança
Os impactos provocados são tão significativos que a experiência do sofrimento em um momento tão importante da vida acaba dificultando o desenvolvimento do feto, bem como a formação do vínculo com o bebê.
“As emoções que sentimos são desencadeadas por hormônios. Por isso, quando a mãe vive, durante a gestação, situações de estresse intenso e recorrentes, os hormônios produzidos por conta desse estímulo passam pela corrente sanguínea através da placenta para o bebê”, explica a psicóloga obstétrica Malu Leal. “Isso pode afetar o desenvolvimento cerebral do bebê que está em formação, bem como o de outros órgãos, como o rim”, complementa.
Já após o nascimento, a saúde mental da mãe afeta diretamente a amamentação. “Gatilhos muito intensos podem inclusive suspender a produção do leite”, conta Malu, que também é doula. A psiquiatra destaca que muitos estudos já demonstraram, inclusive, que a depressão materna afeta o desenvolvimento cognitivo e afetivo da criança no longo prazo.
Afinal, as primeiras interações entre mãe e bebê são os primeiros contatos da criança com o mundo externo. Malu explica que é aí que a mãe vai transmitindo para a criança o acolhimento, amparo, carinho e cuidado, dando meios para que ela se desenvolva da forma adequada. E na sua ausência, quando a criança é constantemente desamparada afetivamente, seu organismo acaba liberando altos níveis de cortisol, prejudicando o seu desenvolvimento.
Além de acarretar o atraso cognitivo e motor da criança, a ausência das interações maternas também aumenta a probabilidade de o filho adoecer a longo prazo, inclusive psicologicamente.
“Uma mãe que não está nas melhores condições de saúde, por mais que deseje e queira muito, não vai ter melhores condições para oferecer para o seu filho saúde mental, conforto e acolhimento”, alerta a psicóloga ao destacar a importância da busca por ajuda quando a mulher se vê com a saúde mental prejudicada.
Sinais de alerta
Depressão perinatal, transtorno de estresse pós-traumático, medo exacerbado do parto e transtornos da ansiedade são bem comuns de acometerem as gestantes, fora os outros transtornos ou condições que uma mulher pode ter previamente à gestação, como transtorno bipolar, transtorno de espectro autista, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
Assim, a atenção aos sinais apresentados pela gestante ou parturiente é imprescindível para a saúde mental da mãe e o cuidado com o bebê. Para isso, Priscila destaca os principais sinais, como:
- Sentimentos excessivos de tristeza, preocupação e ansiedade;
- Mais sono do que o normal, dificuldade de dormir;
- Dificuldade de se concentrar ou tomar decisões;
- Sentimento de culpa por não ser uma boa mãe, perda do interesse em coisas pelas quais se interessava anteriormente;
- Chorar frequentemente sem nenhuma razão, desinteresse pelos seus cuidados pessoais;
- Falta de motivação para as tarefas diárias;
- Falta de prazer ou alegria por ter tido um bebê ou dificuldade em se conectar com o bebê;
- Pensar em ferir a si própria ou ferir seu bebê.
Ainda que muitos desses sinais possam se assemelhar a características fisiológicas da gravidez e do puerpério, é necessária a implementação de instrumentos de rastreio de rotina e protocolos para identificar mulheres em risco de depressão em consultas regulares na gravidez e no pós-parto, destaca a psiquiatra.
E, frente à mínima suspeita, apresentando comportamentos disfuncionais, é importante que a mulher busque atendimento especializado, seja com psiquiatra ou psicólogo especialista em saúde materna.
“Mulheres no puerpério, rotineiramente são examinadas por seus obstetras ou clínicos gerais em consultas focadas na recuperação física após o parto. Além disso, são vistas por pediatras de seus filhos de quatro a seis vezes durante o ano seguinte ao nascimento de seu bebê. Quando apresentam depressão, embora busquem ajuda mais comumente com esses médicos do que com profissionais de saúde mental, muitas vezes não são diagnosticadas ou reconhecidas como deprimidas de forma adequada”, explica Priscila.
Por isso Malu também orienta que os parceiros e familiares da gestante, inclusive outras pessoas que são mais próximas da mulher, se aprofundem nesse tema e aprendam a identificar alguns sinais para encaminhá-la para atendimento, caso percebam qualquer comportamento que demonstre certo adoecimento.
Então, como cuidar da saúde mental materna?
Inicialmente, a mulher que busca manter uma saúde mental adequada no período da gestação pode buscar ter uma boa alimentação, praticar atividade física e inclusive realizar um pré-natal psicológico. “No pré-natal comum existem vários exames de rotina de saúde para o bebê, mas não é feito rastreio especifico para a saúde mental da mãe”, distingue a doula.
Além de tudo, práticas que promovam bem-estar para a mulher também são bem-vindas, como pilates, ioga, meditação, acupuntura e momentos de lazer.
Outro fator importante de cuidado da saúde mental da mãe, segundo Malu, é a estruturação da rede de apoio, seja familiar ou profissional. “Ela é indispensável para a manutenção da saúde materna. Não tem como uma mulher sozinha cuidar de uma criança, de si mesma e dar conta de todos os outros papéis que precisa gerenciar, inclusive cuidar de sua saúde mental”, destaca.
Por isso, estruturar uma rede de apoio, seja com familiares, construindo uma relação com outras mães, reforçando vínculos com amigas e buscar apoio profissional, se tiver condições, é imprescindível para um pós-parto mais sereno.
“A rede de apoio é fundamental principalmente nos primeiros meses ou anos de vida do bebê, uma vez que a maternidade carrega com ela bastante desafios e é bem intensa não só pelo lado emocional da situação, mas também no que diz respeito aos afazeres domésticos. Neste momento, o pai ou alguém da família pode ajudar na preparação da comida, lavando a louça e organizando a casa, e também nas atividades mais importantes, como auxiliar no cuidado da criança”, acrescenta a médica.
Assim, segundo ela, aquela mulher saudável, com boa rede de apoio, suficiente e adequada assistência médica, obstétrica e psíquica, mesmo que apresente desvio de rota, poderá ser amparada e tratada adequadamente. Porém, quando os pilares básicos, como família, assistência médica adequada, boa base emocional e parceria com o companheiro são negligenciados, abre-se uma porta para desfechos desfavoráveis.