A interrupção do sono trazida com a chegada de um bebê é bem conhecida pelos pais, mas pode ser inesperada. Embora os pais de primeira viagem estejam cientes de que os bebês precisam de cuidados noturnos frequentes, a realidade geralmente é uma surpresa cruel. “O que há de errado com meu bebê?” ou “o que há de errado comigo que eu não consigo fazer esse bebê dormir?” é o que muitos se questionam.
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Se você está enfrentando isso, saiba que não é um pai ou mãe ruim, e nem seu bebê é anormal. Você está simplesmente fazendo as perguntas erradas. Em vez de “por que meu bebê não dorme?”, os pais devem se perguntar “por que eu acho que eles deveriam estar dormindo agora?” e "em que estou baseando minhas expectativas?" Existem três visões predominantes atualmente das regras do sono infantil: norma cultural, norma biomédica e norma biológica ou evolutiva.
Norma cultural
A norma cultural refere-se às crenças mantidas por diferentes grupos culturais que sustentam as noções do que é certo. Por exemplo, as crenças culturais dominantes sobre o sono dos bebês no Reino Unido são que “bebês bons” não são exigentes e dormem a noite toda e que um bom bebê é um sinal de um bom pai.
Outra norma cultural é de que os bebês devem ser deixados para chorar sozinhos, aprendendo a adormecer sozinhos e que embalar ou acariciar um bebê para dormir evita isso, podendo até mesmo torná-los mimados, se pegos com muita frequência
Tais crenças culturais sobre o cuidado infantil surgiram no final de 1800, fortemente promovidas pelo psicólogo americano John B Watson e o pediatra L Emmet Holt que acreditavam que seus métodos ajudariam os pais a criar filhos que exibissem qualidades de independência, autoconfiança e estoicismo, altamente valorizados na época.
Norma biomédica
Por outro lado, as expectativas biomédicas (ou clínicas) sobre o que é normal tendem a vir de valores médios determinados por estudos clássicos, que podem ser apresentados em livros, sites e gráficos, como diretrizes para o sono infantil normal. Por exemplo, algumas sugerem que aos 3 meses, os bebês precisam de 14 a 16 horas de sono por dia, e devem tirar três ou quatro sonecas.
No entanto, essas recomendações geralmente refletem apenas as médias de dados coletados de amostras pequenas em horários e locais específicos, já que os estudos que revisam as pesquisas encontraram enormes variações na quantidade de sono dos bebês. Assim, ao invés de confiar em gráficos de padrões médios de sono, podemos dizer que um bebê dormiu o suficiente se estiver alerta e feliz quando estiver acordado.
Norma biológica
Já a norma biológica (ou evolutiva), embora seja menos conhecida, é, sem dúvida, a mais realista por considerar como a biologia evoluída de mães e bebês pode nos ajudar a entender o sono infantil durante os primeiros meses de vida. E lembrar que bebês humanos são bebês mamíferos pode nos ajudar a entender isso.
Os bebês mamíferos são, por definição, alimentados com leite materno e recebem cuidados intensivos após o nascimento. Os humanos produzem leite com baixo teor de gordura e alto teor de açúcar. Isso significa que os bebês humanos devem ser amamentados com frequência para alimentar seus cérebros em rápido crescimento e que, ao nascerem, são apenas um quarto do seu tamanho adulto. Essa questão explica por que os bebês são indefesos e dependentes, acordam com frequência à noite e preferem o contato com um cuidador durante os primeiros três meses de vida.
A visão biológica é bem diferente das expectativas culturais e clínicas do sono infantil na maioria das sociedades ocidentais. Porém, compreender a biologia normal do sono também pode ajudar os pais a lidar com outros aspectos do sono do bebê.
Saber que os bebês estão desenvolvendo um ritmo circadiano – ajustando seus padrões de vigília e sono para claro e escuro – ajudará os pais a entenderem que é positivo expor bebês à luz no início do dia, e que longos cochilos em um quarto escuro durante o dia atrapalham este ritmo circadiano em desenvolvimento, devendo ser evitados.
Abordagens biologicamente normais para dormir no primeiro ano de vida também podem ajudar os pais a harmonizar os padrões de sono da família. Isso pode ser feito postergando a hora de dormir do bebê, para que os pais possam se beneficiar em ter seu próprio sono alinhado com o período de sono mais longo do bebê (geralmente o primeiro sono da noite). Cochilos diurnos curtos à luz do dia para bebês também podem reduzir o despertar noturno e incentivá-los a dormir mais durante a noite.
Saber o que é normal
Amigos e familiares podem ajudar os pais a ter expectativas realistas sobre o sono do bebê. No lugar de fazer perguntas que enquadram o comportamento normal dos bebês como problemáticos, como “ele dorme bem?”, os amigos e familiares podem perguntar algo como “como você está lidando com os cuidados noturnos?”, “você está recebendo ajuda suficiente?” ou "você está conseguindo sair?"
Perguntas normalizadoras como essas enfatizam que o despertar noturno é esperado e que é difícil. Eles reforçam a importância de pedir e obter ajuda de parceiros, familiares e amigos, e que sair de casa com o bebê pode ser útil (tanto para o sono do bebê quanto para a saúde mental dos pais).
Em última análise, capacitar os pais a experimentarem o que funciona para o bebê e a família, em vez de seguir as normas culturais ou biomédicas, reduz a ansiedade e melhora o bem-estar de todos. Portanto, para entender o que o sono infantil normalmente envolve, deixe seu bebê mostrar a você.
* Helen Ball é professora de antropologia e diretora do laboratório de sono infantil e familiar, da Universidade de Durham
©2022 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.