As crianças necessitam de interação para se desenvolver. Conversar com a criança, conectar-se afetivamente com ela por meio da gestualidade corporal e brincar com ela são fatores fundamentais para o desenvolvimento de habilidades psíquicas, cognitivas e sociais. Agora, já imaginou o que acontece se uma criança passa boa parte da sua infância sem a atenção desses contatos, porque os seus pais não tiram os olhos dos smartphones quando estão com ela? Esse fenômeno tem sido chamado de parentalidade distraída.
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“O celular parece um recurso fácil, mas não é inofensivo”, diz a psicóloga Carolina Flores, do Centro de Terapia Cognitiva, que aponta também que, com a popularização do home office devido à pandemia, o risco de uma parentalidade distraída se tornou maior. “Quando a criança está na fase de adquirir a habilidade da linguagem verbal, é na relação com as pessoas à sua volta que isso acontece. Se a comunicação é constantemente interrompida pelas telas, isso prejudica o seu desenvolvimento”.
O impacto se alastra por uma série de problemas. Carolina aponta que a criança tem dificuldade de se sentir segura, de estabelecer uma conexão confiante com o cuidador. Com crianças maiores, o prejuízo pode se dar na comunicação entre os pais e os filhos, criando distanciamento na relação. Além de um mal em si mesmo, isso pode dar ocasião para o envolvimento das crianças em situações de risco, já que ela deixa de compartilhar com os pais os acontecimentos do seu dia a dia.
Além disso tudo, a parentalidade distraída acaba configurando uma relação tóxica das crianças com as telas. “A forma como os filhos aprendem a usar os eletrônicos vêm dos pais. Quando o adulto tem uma relação não saudável com a tela, as crianças ficam em risco também”, indica Carolina. “É preciso ampliar a consciência de que esse uso abusivo das telas prejudica todo mundo: o adulto, a criança, a relação entre pais e filhos, a relação com outras pessoas”.
Falha no dever parental
A parentalidade distraída é tão grave que seria algo até mesmo passível de judicialização, ainda que, pela sensibilidade diante do tema, o melhor caminho para resolver o problema não seja esse. É o que aponta a pesquisadora Letícia Prazeres, mestra em Direito e professora da Idea Escola de Direito.
“Quando a gente fala de abandono afetivo, a gente costuma pensar na falta do sentimento do amor, do carinho, e não se trata necessariamente apenas disso. No caso da parentalidade distraída, deixa-se de prestar o devido cuidado em prol da atenção à tela. E o cuidado é um dever imaterial do pai para com os filhos”, diz Letícia. “Assim, algo que parece pequeno pode causar consequências muito sérias. A importância de se falar da parentalidade distraída é que se trata de uma quebra relacional que impacta as crianças em âmbito biopsicossocial”.