Não importa se é devido à carreira, ao casamento ou a planos pessoais: a saída dos filhos da casa dos pais não tem como não ser impactante. O próprio fato de lidar com a reorganização da rotina do lar já demanda bastante do casal. Alguns pais e mães acabam experimentando uma dificuldade maior nessa fase, seja sendo acometidos por um desânimo profundo ou caindo na tentação de controlar o dia a dia dos filhos – é a síndrome do ninho vazio, que já foi assunto de matéria aqui no Sempre Família. Mas o que fazer, na prática, quando esse momento chega?
“Toda mudança gera estresse – aliás, a própria definição de estresse está relacionada à adaptação do organismo a situações com as quais ele não está acostumado”, explica o psicólogo Gabriel Resgala. “O primeiro passo, portanto, é a aceitação psicológica da mudança, procurando entender que não é uma mudança existencial: não houve perda de sentido, pois continua-se sendo pai e mãe, tanto quanto antes. Apenas a forma de exercer a parentalidade é que muda”.
Não é um processo fácil. Durante anos e anos, a vida do casal girou em torno das demandas dos filhos. “Ao mesmo tempo que pode ser um alívio e trazer sensação de dever cumprido, a saída dos filhos de casa pode trazer à tona questões do casal que podem ter ficado em segundo plano. É comum surgirem crises no casamento e mesmo separações nessa fase”, alerta a psicóloga Célia Mazza de Souza. “Portanto, é fundamental que haja abertura ao diálogo, reorganização dos papéis sociais, lazer conjunto e projetos de vida que vão além da criação dos filhos”.
A dica é encontrar novos focos, dando mais atenção ao relacionamento com o cônjuge e retomando ou inaugurando projetos pessoais. “Para ajudar, podemos recorrer ao que chamamos de ativação comportamental – que nada mais é que buscarmos e insistimos em comportamentos que podem auxiliar a mente a se readaptar”, orienta Resgala. “Isso ajuda a ativar os hormônios que trazem boas sensações, como a endorfina e a ocitocina, e a encontrar outras formas de aplacar nossa sede de sentido”.
Reencontrar-se
“Com a saída dos filhos de casa, muitas pessoas voltam aos bancos escolares, montam novos negócios, reorganizam suas finanças e fazem viagens sonhadas e até então nunca realizadas”, afirma Célia. Mas mesmo quando não se tratam de grandes projetos, dar atenção às coisas simples do dia a dia podem fazer a diferença. “Decidir o que preparar para comer ou o que assistir na televisão ou no cinema já significa voltar a planejar a vida individual e de casal, independente dos filhos”, exemplifica a psicóloga.
“Devemos procurar atividades que nos deem prazer, que envolvam realização, aprendizado e valores importantes para nós, que ajudem a resolver problemas, que nos façam ter contato com pessoas ou que promovam atividade física”, diz Resgala. “Dançar, viajar, fazer cursos, praticar esportes coletivos, fazer trabalhos voluntários, dedicar-se à leitura, ao cinema, à música ou à espiritualidade são alguns exemplos que costumam funcionar com muitas pessoas – mas cada caso é um caso”.
“Pode ser um exercício interessante e sadio para a relação adequar as agendas de forma a reservar uma boa parte do tempo juntos, fazendo o que ambos gostam. Não há problema em cada um ter os seus momentos a sós, dedicando-se a algo que o outro pode não gostar tanto assim, desde que haja acordo e satisfação verdadeira em relação ao tempo passado em conjunto”, orienta o psicólogo.
E os filhos?
Manter contato regular com os filhos é algo que será parte do dia a dia do casal – mas com o cuidado de lhes deixar o espaço necessário para levar adiante a própria vida. “Se não tomarem esse cuidado, os pais podem causar ou ampliar crise no casamento dos filhos ou limitar os projetos de vida dos filhos que saíram de casa para desenvolver sua autonomia e realiza-se independentemente de casamento ou união”, explica Célia. “A crise dos pais com a ausência dos filhos pode acarretar estresse naqueles que querem proteger”.
“O vazio deixado pelos filhos, na verdade, nunca será preenchido totalmente – pois é uma parte essencial da vida dos pais. Mas ele não precisa continuar doendo, ser uma ferida aberta indefinidamente. Pode muito bem ser uma marca que, embora definitiva, não impede a vida de continuar fazendo todo o sentido; muito pelo contrário!”, afirma Resgala. “Afinal, quanto mais autônomos os filhos forem, mais os pais terão o direito de se alegrar pela aliviante sensação de missão cumprida”.
E aí cabe também a sensibilidade dos filhos para ajudar os pais a lidarem com esse momento de transição. “O diálogo e compartilhar de experiências é o ideal para demonstrar aos pais que a vida está fluindo, com desafios a serem superados sempre, mas que cada um deve construir seu caminho”, orienta Célia. Muitas vezes, porém, a ajuda será justamente colocar limites aos pais, sugerindo que se ocupem com novas atividades. “Poderá ser oportuno estabelecer novos laços, revisando o ‘contrato’ de como se dão os cuidados familiares, com os limites e possibilidades da nova fase”, diz a psicóloga.