Ser mãe de dois adolescentes pode assustar, mas não a mim. Pelo menos, não mais. Vivida a experiência da primeira maternidade, o segundo filho chegou com a leveza um dia anunciada – e até então desconhecida – para desfazer a ideia de que ser mãe de dois seria difícil.
Siga o Sempre Família no Instagram!
Sou a sexta de seis filhos: sei como é crescer entre irmãos e quão rico pode ser o aprendizado com os mais velhos. Portanto, outra criança é presente para a família toda: aos pais e também ao(s) irmão(s) sobretudo pela experiência de aprender e crescer com o outro.
Não é de se espantar, o segundo filho também vem cercado de clichês: é tido como aquele “mais fácil”, “mais independente” e “mais safo” por não ser tão novidade assim aos pais de primeira viagem que creem já saber tudo sobre a função.
Na maioria das vezes, o segundo filho é explicitamente admirado por pais embevecidos com sua independência e capacidade de se cuidar sozinho “desde pequeno”, como muitos insistem em dizer e se orgulhar.
Curiosamente esta é a suposta contribuição dada ao segundo filho: o enaltecimento de sua autonomia tida como uma habilidade quase nata. Sem notar, emancipamos o segundo filho cegos às suas necessidades individuais (aí sim, natas) lhe incutindo maturidade precoce e indesejada.
Sem perceber, paulatinamente vamos impingindo um fardo pesado a quem, assim como o primeiro filho, precisa de pais atentos e cuidadosos ao seu desenvolvimento em tempo e ritmo certos.
Segundo filho independente
Eu enquadrava filhos adolescentes em um padrão de comportamento relacionado mais à fase do que à personalidade e ao grau de maturidade de cada um. Acreditava mesmo que por serem irmãos, filhos de mesmo pai e mãe e sujeitos à mesma educação, a forma de relacionamento seria igual com ambos.
Assim, logo me acomodei ao segundo filho. A experiência com o primeiro decerto me validaria com o segundo. De fato, ajudou, mas ressalto: também atrapalhou. Mãe de um me induziu ao erro de comparar o segundo filho desconsiderando seu temperamento, sua personalidade e, principalmente, seu estágio de maturidade.
Mãe no automático, incutia no meu segundo filho o peso de ser o que não era e de esperar dele um comportamento desalinhado à sua capacidade. Lembro quando, por exemplo, cuidadosamente ele arrumava suas roupinhas de natação antes da aula atento aos detalhes para não ficar na mão como no dia em que esqueci seus óculos preferidos por crer que, como o irmão, também não gostava de usá-los. Na dúvida, fazia ele mesmo o dever de casa. Assim sobreviveria melhor às inesperadas situações da mãe nem sempre atenta às suas expectativas.
Por um lado, sua autodisciplina me poupou energia e me encheu de orgulho; por outro, me despertou – finalmente – para um fato até então impensado e, na prática, desapercebido: o segundo filho é diferente do primeiro.
Segundo filho padronizado
O segundo filho costuma demonstrar autonomia e personalidade mais cedo; não por suas habilidades erroneamente admitidas como natas, mas por tê-las desenvolvido antes do tempo por autopreservação.
Pais de segunda viagem, já experientes, por outro lado tendem a enxergar o segundo filho com lentes formatadas ao primeiro. Segura de minha competência materna, acabei por superestimar a capacidade de meu segundo filho quando ainda lutava por seu lugar na família.
Fosse por qualquer motivo, meu segundo filho se destacava por demonstrar autonomia diferenciada para sua pouca idade. Até então me orgulhava disso e o enaltecia por sua notória independência.
Não sabia, contudo, que assim reforçava sua necessidade de autoafirmação nutrida por uma autossuficiência que, por fim, causava mais prejuízo do que qualidade à nossa relação.
Segundo filho na real
Naquele dia, meu segundo filho chegou especialmente bravo:
- Mãe! O guardinha me multou porque tava sem bilhete! Me acusou de não ter pago a passagem e me multou! Pô, a Nanda pagou pra mim, mas, como desceu antes, fiquei sem o comprovante do cartão. Que saco! Só porque eu sou adolescente! Queria ver se fosse um adulto!
- Fala sério! Por que você não explicou a situação pra ele? Como deixou que te desse a multa? Pô, não consegue explicar pro cara, filho? Tenha mais iniciativa, né?! - esbravejei possessa com a situação que, a meu ver, era mais simples do que o relatado.
Mais furioso ainda, meu filho rebateu:
- Olha o que cê tá falando, mãe! Reparou que sou a-do-les-cen-te? Tenho 15 anos, pô! O guarda me cobrou um documento que não tinha! O que queria que eu fizesse? Encarasse o p#@ e discutisse com ele? Fácil pra você falar, né? Pra mim, não!
Primeiro ou segundo filho: atenção igual
Descobri a diferença de ser mãe de dois. Lidava com meu segundo filho assumindo-o suficientemente esperto e capaz de se virar em qualquer circunstância. Mãe de segunda viagem, entrei no automático me desatentando para as necessidades inerentes a qualquer filho em diferentes estágios de desenvolvimento, temperamento e personalidade. Enxerguei meu segundo filho pronto quando ele ainda estava em seu tempo de construção.
Senti-me nocauteada; me calei um tanto espantada do torpor em que vivera até então. Ser mãe de segundo filho também é diferente e me exigiu especial atenção, diria atenção redobrada para não cair na falsa ideia de “facilidade” que confunde pais em seu modo de educar o segundo filho.
Não importa o quão autônomo o segundo filho aparenta ser – e muitas vezes é –, ele anseia e merece atenção e cuidado tanto quanto o primeiro e, como tal, precisa de pais que o ajudem a se desenvolver no tempo certo.
O que descobri sobre o segundo filho
A autonomia demonstrada pelo meu segundo filho me induziu ao erro de crer em sua capacidade de enfrentar qualquer tipo de situação. O fardo ficou ainda mais pesado quando o reconhecia como “maduro para sua idade”.
Sentia-se ainda mais cobrado de se superar a cada nova situação. O aparente benefício do reconhecimento público era ilusório: meu filho sofria e continuava necessitado de uma mãe atenta ao seu crescimento individual e saudável.
Segundo filho não deseja reconhecimento de sua emancipada maturidade. Em vez disso, deseja a segurança de ser aceito e apoiado por pais efetivamente atentos ao seu desenvolvimento e abertos às suas fragilidades. Quer ser ele mesmo imperfeito e, mesmo assim, merecedor de pais empenhados em ajudá-lo a crescer... no tempo certo.
Até certo ponto, me considerei mãe de segunda viagem descolada porque conseguia dar conta de dois sem os devaneios da primeira experiência. De fato, meu segundo filho contou com uma mãe autoconfiante e até “mais safo” também. Porém, a vaidosa dinâmica revelou algo maior e mais importante: forçado pelas circunstâncias, meu segundo filho aparentemente amadurecido se auto preservava às custas de coragem e força descobertas pela escassez.
Mãe de segundo filho
Ser mãe não é fácil; de segundo filho, tampouco: exige atenção constante para evitar as ciladas de um pesado e injusto automatismo que padroniza comportamentos e atitudes até virarem clichês divertidos nas piadas, mas prejudiciais no cotidiano de pais e filhos.
Convivendo com dois adolescentes, continuo aprendendo e me aprimorando agora como “mãe de segunda viagem”. Mais consciente de minhas próprias fragilidades e dos desafios na função, hoje reconheço a unicidade de cada um deles.
Igualmente imperfeitos, finalmente enxergo a beleza de sermos únicos, por isso, incomparáveis e insubstituíveis aos olhos de quem vive a vida como uma jornada de aperfeiçoamento pessoal. Assim, nem antes nem depois, vamos crescendo e nos tornando adultos melhores para o mundo, o que, no fim das contas, é a missão de toda família.
*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.