Muito se critica a chamada geração canguru. Rótulos e críticas – muitas críticas – detonam os jovens adultos de 25 a 35 anos que (ainda) permanecem na casa dos pais. Portanto, te proponho: abstenha-se, primeiro, dos julgamentos. Depois, avalie o novo contexto. Por fim, me diga: como ajudar o filho da chamada geração canguru a encontrar saídas para um futuro de autonomia e independência neste cenário de diferentes desafios do passado?
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A lente rotulante
Quando meu filho de dezesseis anos permaneceu recluso em seu quarto, me angustiei. Temi que estivesse desenvolvendo medo do mundo. Temi que seu estado deprimido deixasse sequelas como, por exemplo, medo de trilhar o seu futuro. Assustada, me fixei na ideia de que meu filho temia se relacionar. Simplesmente associei o interesse extremado por computador a uma incompetente comunicação com o mundo real.
Realmente pensei ter perdido meu filho para a tecnologia. Imaginei mesmo o pior. Contaminada por opiniões alarmistas sobre a má influência digital, também me deixei influenciar. O mesmo aconteceu com a chamada geração canguru: levada por críticas fundamentadas em percepções superficiais, embarquei na onda da opinião alheia sem refletir mais a fundo.
Ainda que meu filho nem tivesse chegado à idade relativa à geração canguru, já assumira uma leitura embaçada sobre o assunto. Já dominada por uma ótica desatenta e insipiente, impingi sobre ele a imagem de um garoto inseguro quando a questão era bem diferente.
A arrogante ignorância de rotular os filhos
Enquanto o tempo passava, os rótulos me distanciavam da realidade. Então cega, ignorava as variáveis do mundo atual. Diferente de um passado não tão longínquo, desconhecia o perfil do jovem “de hoje”, as novas relações de trabalho e família, as carreiras da atualidade e o mercado profissional. Parada no tempo, desprezava o mundo novo que, a cada dia, se configurava distinto do meu.
Concluído o ensino médio, meu filho adolescente então me surpreendeu. Diferentemente de antes, ressurgiu: não só voltou a se comunicar, como se revelou abrindo seus planos de futuro.
- Mãe, agora que sou de maior e completei parte dos estudos, quero mudar para São Paulo e realizar meu sonho de ser gamer. Pô, mãe, não sabe como esperei este dia! Tô tão feliz... tão aliviado! Finalmente vou poder fazer o que gosto! Sei sua opinião, mas é minha chance de, finalmente, viver isso. Preciso viver essa experiência... sair de casa, morar com a equipe. É o que quero fazer e, se não der certo, ainda terei tempo de rever o plano.
Emudeci estupefata. Olhos arregalados, mente em transe: quem era aquele jovem (potencial geração canguru de outrora) bem diante de mim? Onde estava o garoto inseguro dos últimos tempos, afinal? Aonde teria ido o “medo do mundo e das pessoas” que imaginara?
Sumiu. Receio dizer que talvez nem tivesse existido. Talvez tivesse só errado o diagnóstico por conta de uma lente enviesada e muita desinformação. Deduzi mal o que desconhecia e que ainda por cima julgava conhecer.
Rótulo da geração canguru colado
Meu filho “quebrou minhas pernas”. Mais que escutar seu surpreendente desejo (e plano!), foi enxergar minha arrogante ignorância sobre meu filho. A realidade, de repente, tornara-se muito maior do que minha limitada visão de mundo baseada no passado.
Forçada pelas circunstâncias, precisei rever conceitos e opções. Por necessidade, mudei minha lente sobre meu filho adolescente e sobre o mundo. Por isso, enxergar a tão criticada geração canguru de outro ângulo foi mais fácil. Vitimada por diagnósticos simplistas, estava atenta: absorver opiniões alheias sobre os jovens adultos de hoje com uma ótica unilateral é traiçoeiro.
A conjuntura atual, mais desafiadora e transformada, sob condições de temperatura e pressão mais hostis ao jovem adulto tornaram a saída da casa dos pais tema espinhoso para as famílias. A justificativa simplista de sua permanência na casa dos pais não tardou em colar na testa destes jovens o título de incompetente e fracassado.
As variáveis sobre a geração canguru
O perfil adolescente “de hoje” é mesmo diferente. Dado a viver a vida de outra forma (e antes que afirme “só querem moleza”), o jovem prioriza experiências pessoais antes de formar família. Aliás, esta nem é mais a única opção de futuro; considera outras como possibilidades reais e factíveis.
Permanecer na casa dos pais, de fato, é uma opção cômoda e econômica: o custo de vida e a competitividade no trabalho acirraram e “estender” a estadia na casa dos pais é ideia tão óbvia quanto natural. Aliás, não há sentimento de culpa nisso a não ser quando os pais o rotulam de folgado por tamanho desapego à própria autonomia.
O custo de vida é sim maior. Assim, também a dificuldade de ingressar no mercado de trabalho. Novas carreiras surgiram e, junto, novas profissões e relações trabalhistas. Empregar-se deixou de ser o único caminho; empreender, ainda que arriscado, virou também possibilidade rentável.
O envelhecimento da população é outra variável pouco estressada nessa discussão. Se até a adolescência foi oficialmente estendida, por que a fase subsequente não sofreria mudanças? Sem falar a educação do filho adolescente de hoje, que participa da dinâmica familiar com total abertura e envolvimento.
Enfim, jovens adultos que (ainda) permanecem na casa dos pais é um fato mais comum do que esperado e experimentado no passado. Porém, não precisa ser necessariamente encarado como um problema se pais e filhos assegurarem a participação de cada um na nova dinâmica familiar.
O novo contexto de mundo
Desvendar um filho demanda acompanhar seu processo de amadurecimento de perto. Filhos dão indícios, mas nem sempre estamos suficientemente atentos para enxergá-los claramente. Em vez disso, nos deixamos contaminar por opiniões alheias e, às vezes, até rasas, sem nos darmos conta de que estamos lidando com filho único em um contexto diferente do nosso passado.
O processo de amadurecimento começa na adolescência. Nesta fase, incutir valores e fomentar ações capazes de ajudar o filho a trilhar seu futuro é crucial. Ainda que sua perspectiva seja nebulosa e o impeça de projetar caminho, filho pensa, considera, mas também teme o futuro. Contar com pais atentos ao hoje é fundamental para encontrar saídas e minimizar as chances de compor a geração canguru.
O dever dos pais continua o mesmo
Ao ser notificada dos planos tão discrepantes da minha perspectiva sobre meu filho, primeiro me assustei por não reconhecê-lo; depois, me culpei por desconhecê-lo. Percebi quão negligente fui por me indispor a me atualizar sobre o mundo, por desconhecer seus interesses, por não enxergá-lo como era.
Por não me interessar por seus problemas para ajudá-lo neste processo de descoberta e planejamento de futuro. Finalmente, sacudida pela realidade, tive que aprender.
São muitas as variáveis que mantem o jovem adulto na casa dos pais. A cada família, cabe desvendar o que, de fato, contribui para este cenário e a forma como lidar com a nova situação do momento sem rótulos detonadores de demérito.
Massificar, padronizar e rotular a geração canguru como jovens adultos dependentes, insuficientes, incompetentes e fracos é, no mínimo, injusto. Se estiver buscando culpados, se frustrará. Em vez disso, busque saídas junto com seu filho. Independentemente se adolescente ou geração canguru, precisamos ser pais conscientes e presentes para ajudá-lo neste cenário hostil e desafiador.
Questões inquietantes e reveladoras
Portanto, reflita: em que ponto você se perdeu de seu filho adolescente ou geração canguru para desconhecer seus planos? Continua acusando seu filho de uma dependência baseada fundamentalmente em sua imaturidade emocional? Se positivo, como chegou a este grau de imaturidade quando o esperado era outro resultado?
Diante de questões tão duras, assumi as próprias falhas de uma lente contaminada e decidi mudar minha perspectiva para enxergar meu filho nitidamente. O fim da ameaça de se tornar jovem adulto da geração canguru promoveu um questionamento maior: quão bem conheço meu filho para ajudá-lo a encontrar saídas... dentro ou fora de casa?
Outras indagações mais pesadas:
- O que tenho feito para ajudar meu filho adolescente a amadurecer de acordo com as novas necessidades do mundo de hoje?
- Como venho me atualizando sobre as novas possibilidades capazes de influenciar meu filho a crescer autônomo e minimizar as chances de compor a geração canguru?
- Como poderia tornar o jovem adulto da geração canguru digno de respeito e amadurecimento, ainda que vivendo na casa dos pais por mais tempo que o “esperado”?
- Permanecer na casa dos pais invalida seu processo de amadurecimento e autonomia?
Por uma nova geração de pais... também
Busco respostas ao novo comportamento do jovem com cuidado e, sobretudo, consciência e amor. Educar os filhos para uma vida autônoma é mais do que deixar a casa dos pais: é, antes, passar por um processo de amadurecimento saudável desde a adolescência.
Ajudar os filhos a se descobrirem é tarefa difícil. O mundo está diferente e somos geração de pais desbravadores! Não é pouca coisa, portanto. Por isso, precisamos nos mexer; buscar e também aprender novos caminhos capazes de formar filhos autônomos.
Observe, reflita, avalie. Troque experiências, abra-se para seu filho como realmente é. Conheça-o verdadeiramente. Desvende e potencialize seu filho. Ajude-o a se aperfeiçoar com lente limpa. Geração canguru ou não, formamos indivíduos, não massa. Portanto, não se deixe contaminar pelas críticas da massa. Viva essa realidade própria de forma única.
Aí então, a questão não será mais se seu filho permanece na casa dos pais, mas quem ele realmente é. Diante de uma era significativamente transformada, aprendamos a contribuir mais do que criticar. A desbravar mais que repetir. A descobrir mais que imitar. Adquirir novas competências é necessidade, não mais opção. Inclusive a pais de adolescente ditos “de hoje”.
*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.