O militar Leonardo Pereira Roque, de Brasília, sempre sonhou com o dia em que descobriria a própria origem e tiraria “paternidade não declarada” dos seus documentos. Mas quando o dia finalmente chegou, aos 19 anos, o nome na certidão veio junto com uma missão: tirar o pai recém-conhecido, Orlandino Roque, do vício em crack.
Leonardo tomou a decisão de ir atrás de sua origem quando sua esposa engravidou. Ele se lembrou das brincadeiras e chacotas de que foi alvo na infância por causa da situação e queria que com a sua filha isso fosse diferente em relação ao avô. O jovem consultou então a avó materna, por quem foi criado, que indicou que ele conversasse com a mãe.
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“Ela me disse que eles foram colegas de escola e tiveram um romance rápido”, contou o rapaz ao G1. “Aí eu fui à escola e consegui conversar com a diretora. Expliquei minha situação, e ela me deu o endereço da casa dele. Só que ninguém morava mais lá, porque meus avós paternos morreram.”
Esperançoso, Leonardo deixou seu contato com a vizinha. Voltou ao local três semanas depois e recebeu uma surpresa: o pai havia passado e deixado um número de telefone. “Liguei para ele. Não sabia o que falar. Aí falei que tinha uns papeis para ele assinar. Aí ele falou que não tinha o que assinar e que marcaríamos um contato para eu explicar direito”, lembra.
A esposa de Leonardo o encorajou a telefonar de novo e falar a verdade. “Falei: oi, meu nome é Leonardo, e tem 20 anos que você teve um caso com a minha mãe, Aparecida”, conta. Pai e filho se encontraram no dia seguinte e planejaram o teste de DNA, que confirmou o parentesco.
Vício
Dois meses depois da averbação do nome de Orlandino no registro de Leonardo, pai e filho se reuniram para um almoço com suas famílias. À noite, o jovem recebeu uma ligação da esposa de Orlandino. “Ela contou sobre o vício em drogas. Fiquei muito triste. Eu pensava: ‘Acabei de conhecer meu pai e posso perder ele’”, conta o militar.
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Leonardo descobriu que o vício do pai era anterior à época em que ele nasceu. Orlandino começou com maconha e merla. Depois, partiu para cocaína. Por causa do valor da droga, migrou para o crack. A sua esposa estima que ele já chegou a gastar R$ 35 mil em um único mês comprando entorpecentes.
“Chamei ele para conversar, falei que a neta dele estava para nascer, e a vida dele ia se acabar. A esposa dele me ligava e falava que ele passava dias fora de casa”, relata o militar. “Ela dizia que não aguentava mais, que ele só trabalhava para o vício dele. Que ele saía de casa de madrugada e deixava tudo aberto. O pessoal da boca de fumo ia lá cobrar dele o dinheiro que ele estava devendo”.
Durante quatro anos, Leonardo fez diversas tentativas de tirar o pai das drogas. No meio de 2017, porém, o rapaz decidiu fazer um ultimato e pediu a ajuda dos três irmãos e das tias. Em um almoço de família, Orlandino foi pressionado a entrar em uma clínica de tratamento. Disse que iria, mas Leonardo não se convenceu. Foi quando deu a última cartada.
Reabilitação
“Eu falei assim: ‘Olha, se você não for para a clínica, vai perder mulher, vai perder filhos, porque eu não vou correr atrás mais. E eu vou lá na boca, e a gente vai usar a droga juntos’. Essas palavras foram muito fortes, acho, porque ele não queria para mim a vida dele. Então ele aceitou ajuda”, relata Leonardo. Sensibilizado, Orlandino topou ir para a clínica Salve a Si.
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A rotina da ONG é baseada em trabalho, terapia e espiritualidade. Ao todo, há 80 homens no local, com idades entre 18 e 60 anos. Orlandino realiza plantios e obras, faz cinco refeições por dia e conversa com os outros pacientes sobre as vitórias e os planos para o futuro. “Ele disse que quer aproveitar a vida, que passou muito tempo na destruição, na droga, e que agora quer aproveitar e quer fazer viagem em família. Sinto que ele está decidido”, afirma Leonardo.
As cartas do pai atestam a gratidão – nos primeiros meses, o contato com a família ocorre apenas por cartas. “Para você ver como Deus é bom: precisou passar 19 anos para um anjo aparecer e tocar o meu coração. Você, filho, quando entrou para a minha família, tudo mudou”, escreveu Orlandino. A cartada final de Leonardo foi, de fato, o impulso para a internação. “Você disse: ‘Pai, se você não parar eu vou usar junto com você’. Eu falei: ‘Leo, você tá doido?’ Foi aí que eu decidir não usar mais”, relatou o pai.
Apesar da gratidão do pai o rapaz não se vê como herói. “Acho que eu fiz o que qualquer filho faria. Eu fiz o que estava ao meu alcance. E eu quero fazer o melhor para ele, quero ajudar”, diz. O pai, nas cartas, se emociona: “Não se preocupe, agora é pra valer. Vou sair limpo e curado. Eu creio e acredito. Te amo”.
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