Alguns tipos de mãe
Diversas vezes cansei de ser mãe e arrisco crer não ser minoria. Na verdade, me sinto exausta, como que frequentemente tendo que defender território de filho adolescente. Assim sendo, canso, me irrito e pior: tenho ganas de simplesmente desistir da missão de ser mãe.
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Estou certa de que, não bastassem os conflitos com filho adolescente, muitas mães vivem o mesmo conflito interno de se deixar sucumbir ao árduo trabalho de formar outro ser para o mundo.
Dividida entre desistir e persistir na missão, há quem se renda ao duro exercício diário com complacente resignação e repetidas “receitas” de como educar filho enquanto outras, felizmente, buscam novas possibilidades de cumpri-lo de forma mais consciente que o convencional. Eu fui as duas.
O que ninguém me contou sobre filho adolescente
Mãe de adolescente sofre constantes ataques de filho, mas isso não é novidade para ninguém. O adolescente frequentemente desafia seus pais em uma (natural) necessidade de auto afirmação, de querer se mostrar diferente e independente dos "modelos" transmitidos.
Em absolutamente tudo e (quase) sempre questionam e disputam território com pais para testar e experimentar novas possibilidades de viver a própria vida. Nesta dinâmica de forças antagônicas, os conflitos invariavelmente acontecem e, por vezes, crescem.
Nenhuma novidade nisso também: os avisos proféticos já me alertavam disso. Entender a razão deste "problema" para trabalhar na solução capaz de me fazer resistir e persistir na missão de mãe, aí sim, era novidade que ainda não havia escutado nem aprendido, tampouco sido alertada.
A mãe bomba-relógio
Depois de uma semana de exercício exaustivo nas "dicas" de como lidar com filho adolescente, pensei ter atingido a meta de um relacionamento minimamente possível. Havia sido uma semana especialmente pesada em que disputei território com filho adolescente em tudo: para ir à escola em dia de Copa do Mundo (sem jogo do Brasil, vale ressaltar); para tomar vacina apesar do medo da picada; para fechar a data da (já enrolada) viagem com amigos nas férias; para resolver a conta indevidamente cobrada pelo aplicativo de uso pessoal; para saber a nota final no curso de inglês àquela altura já de férias; para avisar a carona escolar sobre a mudança de agenda.
A lista era longa e se atualizava diariamente. O perene e intenso esforço diário de defender território de filho adolescente encheu meu pote de tal modo que, às favas o tal exercício e as "dicas”. Perturbada com a pesada exigência física e emocional, de novo pensei: - De-sis-to! Não aguento mais...
Mãe-bomba detonada
Sofria com tudo: primeiro, com sua procrastinação; depois, com seus questionamentos e, como de praxe, com suas argumentações sempre contrárias ao que lhe dizia. Aquela semana foi, sem dúvida, de provas que me transformaram em uma bomba relógio.
Plantada fui, enfim, detonada naquele dia:
- Você acha que ser mãe também não enche o saco? Sou gente e me canso tanto quanto você! Por toda a semana me senti tendo que defender território de filho adolescente que me desafia sem o menor pudor! Chega! Cansei! - desabafei.
- Pô, saco mãe! Tá sempre estressada querendo tudo do seu jeito à hora que você acha ser o certo, da forma que você acha certa... – retrucava enquanto lhe virava as costas saindo para a rua em busca de uma trégua longe dele.
A realidade de pais e filho adolescente
Cresci com a ideia de que ser mãe seria ganhar automática autoridade e sentimentos puramente louváveis. A prática da vida real, no entanto, mostrou outra face da maternidade que ninguém me alertara e acabou por me chacoalhar para a falácia.
A adolescência é mesmo “temível", mas importante considerar que parte deste temor cresce à medida em que continuamos desconhecendo as fases de crescimento e repetindo fórmulas – atitudes, frases, comportamentos – que não só não ajudam como levantam barreiras entre pais e filhos, por vezes intransponíveis à medida em que o tempo passa e as fases – e o mundo - mudam.
Defender território de filho adolescente é fato e naturalmente exaustivo. A inexorável realidade, portanto, se impõe e aprender a viver com ela é não só devido como vital para uma relação minimamente viável e necessariamente junto de filho.
Amadurecer é trabalhoso
Depois de um bom tempo, voltei pra casa. Ao me ver, filho se aproximou timidamente decerto avaliando o terreno repaginado. Arriscou um comentário meio que tentando avaliar potenciais ameaças.
Recuperada e enfim de cabeça fria, o respondi com frases curtas dando sinais – a meu ver claros - de estar sob uma espécie de ressaca verbal... e moral. Mas meu adolescente não se intimidou: contestou com réplicas minhas respostas, talvez julgando (erroneamente) contar com território livre para nova tentativa de dominação.
Consciente da disputa de território, parei de falar e, fixando o olhar nele, finalmente se “situou”, se esquivou e saiu de fininho sob resmungos, enfim, inaudíveis. Naquele momento despertei para uma verdade: defender território de filho adolescente é "só" e "tudo" o que filho quer - e precisa - para crescer e amadurecer nesta fase; e, como mãe, eu também.
A dinâmica – sim, exaustiva – nos ensina o limite de cada um em seus respectivos papeis. Cada vez mais seguros no território familiar, vamos desbravando espaços novos e ganhando confiança para nos aprimorar como pais e filhos. O exercício é este.
Defender território de filho adolescente é...
Embora me ressinta deles, embates entre pais e filho adolescente me ajudaram a mapear a família firmando e fortalecendo papeis e responsabilidades de cada um. Por meio deles, testei novas possibilidades às inevitáveis situações vividas com filho adolescente e, por tabela, pude trilhar novos caminhos e evitar velhos erros.
Hoje, consciente da função de mãe que vive uma relação humana com filho, entendo o defender território de filho adolescente como parte da desafiadora e exaustiva missão de pais que se deixam levar pela falaciosa ideia de serem – ou precisarem ser – incontestáveis diante dos invariáveis e reais conflitos da vida real.
Desfazer-me desta fantasiosa imagem de mãe “acabada” me fez crescer na função também nesta “temida” fase; me instigou a quebrar paradigmas para firmar um relacionamento diferente do profetizado às custas de duros conflitos e repetidos erros.
Depois de muitas outras disputas de território com filho adolescente, os entendi e assumi como fato inerente ao exercício de amadurecimento individual e rica oportunidade de aperfeiçoamento mútuo em que persistir - crescendo juntos - é decisão, não mais dilema.
*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.