Atire a primeira pedra quem nunca fez chantagem emocional. Eu já fiz quando adolescente, adulta, filha e mãe. Apesar da vergonha, admito: fiz conscientemente. Aliás, sempre é. Independentemente do tipo, chantagem emocional é um recurso dos carentes. Portanto, qualquer um circunstancialmente necessitado, seja de algo ou de alguém, faz ou já fez chantagem emocional na vida.
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Os sinais que não vemos
Inesperadamente pai e filha adolescente, então incansáveis combatentes, atingiram o ápice das discussões em família. Em uma relação gradativamente conturbada, perderam a lucidez e caíram no terreno traiçoeiro da chantagem emocional:
– Não aguento mais você me culpando de tudo! Nunca faço a coisa certa! Vou embora de casa pra nunca mais voltar! - ameaçou a filha.
– Vá então! Vai ser melhor mesmo! Assim não vivo mais esse suplício diário de brigas! - retrucou o pai exasperado.
Aflita, a mãe assistia a cena enquanto rezava pelo fim de mais um conflito familiar marcado por ásperas palavras e clara chantagem emocional. Ao confidenciar a situação, revivi o sofrimento junto com ela: (re)conhecia aquela dolorosa dinâmica, um dia também vivida com meu filho.
O que soavam como vãs ameaças aos inconscientes atores, evidenciavam-se aos meus olhos despertos por semelhante experiência – sinais do começo do fim de uma relação desgastada pela perigosa dinâmica familiar negligentemente instaurada.
A ameaça a ser vencida
Conviver com um filho adolescente pode ser mesmo complicado. A todo momento, as demandas exigem novas habilidades ao relacionamento entre pais e filhos. Talvez por isso seja proporcionalmente tão instigante: nos cobra um contínuo aprimoramento para lidar com as situações que, todo o tempo, nos põe à prova.
Nesta desafiadora dinâmica, contar com equilíbrio emocional não é só necessário; é, antes de tudo, vital. Do contrário, perde-se a razão e, junto, a chance de fortalecer relações e vínculos familiares.
As primeiras experiências de chantagem emocional surgem até que palavras e atitudes se tornam violentas e irremediavelmente duras. Portanto, cuidado: conflitos entre pais e filhos adolescentes podem se tornar realmente perigosos.
Sabia o que passava naquela família. De repente, a marola das discussões sem nexo vira ressaca; o mar, lama e, sem saber como, chega-se ao ponto em que todos se afundam em profundas mágoas e distanciamento.
Também vivi discussões parecidas. Felizmente, mudei minha história em tempo de evitar o naufrágio, o que não é via de regra, especialmente aos distraídos e inconscientes do que existe escondido nesta situação tão comum às famílias.
Tipos de chantagem emocional
Aprender sobre gatilhos emocionais me ajudou a escapar de muitas ciladas vividas com meu filho adolescente. O esforço sobre-humano de me manter consciente nas discussões e reconhecer as “cascas de banana” que me sugavam para dentro de verdadeiros furacões com meu filho mudou esta dinâmica até então frequente em casa.
Por mais que reconhecesse a tal chantagem emocional, mergulhar no tema me ajudou a sair melhor das situações quando meu filho se valia dela para me induzir a algo não desejado. Conhecendo seus diferentes tipos (por S. Forward), consegui não só detectá-los como também desvendar a chantagem emocional por distintos meios de:
- Condicionais que, subliminarmente, nada mais são do que ameaças. Prática, aliás, comum tanto a filhos como a pais de adolescente. Decerto que já usei frases do tipo “se você for, não volta” e também já escutei “se não me deixar ir, não falo mais com você”.
- Vitimização e/ou autoflagelo. Com efeito, já soltei frases como “você não me dá valor, mas um dia, vai ver só!” e também já escutei “você me acha um bobo mesmo, né?! Nunca vou ser bom o bastante pra você”.
- Terceirização de responsabilidades. Como quando o filho se exime de se responsabilizar por revezes ocorridos com sua participação com frases do tipo “tudo eu, tudo eu! Não esqueci a chave na porta quando saí! Você é que não trancou quando entrei, mãe!”
- Da recusa de amor/afeto como quando várias vezes já disse “não me venha com beijo agora! Te pedi um favor e você não fez!” e muitas outras escutei “não quero saber, mãe! Você sempre reclama de mim. Não vou mais te encher o sacopedindo roupa nova, vou sair feito mendigo na rua e pronto”.
Todos já passamos por isso algum dia. Mas inconscientes, agimos “vendidos” no teatro emocional. Entramos no tsunami (re)agindo desatentamente e, negligentes, entregamo-nos aos potenciais danos que a prática traz a longo prazo.
Sob chantagem emocional
Em caso de afogamento iminente, logo me vem à mente as preciosas orientações que salvam vidas: “mantenha a calma e, então, flua com a maré. Do contrário, a morte iminente por asfixia”.
Assim me sentia em situações críticas com meu filho adolescente: sob morte iminente por asfixia. Mas, diferentemente da preciosa dica, insistia em me debater, lutar contra a maré. O resultado, invariavelmente óbvio, se confirmava e, afogada nas dolorosas e cada vez mais perigosas discussões, morria a cada dia.
Precisei tomar muitos caldos para desistir de lutar contra e escapar dela. Primeiro, reconhecendo o perigo iminente pelos gatilhos emocionais. Depois, colocando em prática as instruções que, apesar de insistentemente recordadas, eram ainda incipientemente aceitas.
Passei a relevar as intempestivas ameaças do meu filho. Em vez de rebatê-las, passei a adotar uma atitude mais madura reforçando o amor e a segurança ao meu filho carente e abrindo mão das reações agressivas e intolerantes às suas ameaças e condicionais.
Enxergá-las de outro ângulo, evidenciou-as como último recurso de ganho de atenção, o que, finalmente, me despertou para algo maior: debaixo de uma chantagem emocional, um desejo de ser... cuidado.
Aprendendo a viver
As tentativas de ganhar atenção podem crescer de tal modo que podem virar reais “suplícios” familiares como dito por aquele pai. Subestimadas, a chantagem emocional pode levar pais e filhos a trilharem um caminho sem volta de uma relação até mesmo inviável.
Situações comuns como esta requerem especial tato dos pais, os adultos responsáveis por liderar esta dinâmica. E começa por oferecer atenção genuína aos filhos, a se dedicar a descobrir a raiz desta carência no dia a dia, a ser presença real no cotidiano corrido e cheio de afazeres, a se manter atento às distrações que constantemente nos desviam do dever maior de desenvolver e fortalecer vínculos com os filhos.
O que muitas vezes rotulamos de “tola” chantagem emocional pode ser profundo sinal de carências e mágoas irreversíveis, como naquela família que hoje luta por uma reconciliação cada dia mais dolorosa e difícil entre os pais e o filho.
Ainda que romper o ciclo da chantagem emocional com amor seja um esforço gigantesco à nossa frágil constituição humana, é vital perseverar na causa porque é também vital à família. E porque não só liberta o chantageado, mas também amadurece o chantagista.
Assim, livres, fortalecidos e unidos, aprendemos na prática que viver exige vigilância constante para fluir atentamente em meio às invariáveis – e até comuns – ameaças do mar da vida.
*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.