O distanciamento social, uma medida necessária para desacelerar a transmissão do novo coronavírus e evitar o colapso do sistema de saúde, traz uma dificuldade a mais para os casais separados que compartilham a guarda dos filhos. Como lidar com a alternância do convívio da criança com os genitores neste contexto de quarentena, sem colocar em risco a saúde de ninguém?
“Nesse momento atual, o bem-estar da criança deve ser mantido como uma prioridade na dinâmica familiar, desde que se respeitem os conceitos do isolamento social orientado pelas autoridades”, indica Fernando Henrique Gonçalves, médico intensivista do Hospital Vita, em Curitiba. “Para a criança, compartilhar o convívio com os seus genitores pode por si só já ser uma atitude saudável e benéfica para a saúde tanto física quanto mental”.
Gonçalves recomenda que, caso um dos pais apresente sintomas como os da Covid-19, a criança deve evitar contato com ele pelo período de 14 dias. E se a própria criança apresentar sintomas gripais, é melhor que permaneça com apenas um dos pais pelo mesmo período. Em outras circunstâncias, porém, a criança pode alternar as visitas e o convívio normalmente, desde que evite o contato com idosos e respeite a restrição social indicada pelas autoridades.
Não é oportuno, portanto, interromper o convívio com um dos pais por questões menores – por exemplo, decidir que a criança vai passar a quarentena na casa do genitor que tem um quintal, caso o outro não tenha. “Restringir o convívio de um dos genitores por questão ambiental pode não ser uma solução, a não ser que ele realmente esteja numa situação de maior risco, como um número muito grande de familiares dentro da casa ou uma dinâmica que proporcione maior risco de contágio”, orienta o médico.
Nesses casos, o melhor é deixar claro para a criança desde o início da nova rotina a razão que limita o convívio com um dos genitores, de uma forma adequada à sua idade. “Muitas vezes as crianças ficam incomodadas ou inquietas porque não entendem o que está acontecendo e não sabem o que esperar”, explica a psicóloga Ana Caroline Bonato da Cruz.
A psicóloga sublinha ainda a importância de não perder o contato nesse período, se esse for o caso, lançando mão de chamadas de vídeo, mensagens de voz e outros recursos. “É preciso usar dessas estratégias para que a criança entenda que não foi abandonada e que o papai ou a mamãe se lembra dela sempre, de modo a fortalecer o vínculo com a criança”, orienta Ana Caroline.
Cuidados extras
Caso um dos genitores esteja cético em relação à pandemia e isso o tornar displicente com o próprio dia a dia, ameaçando a saúde da criança ou de quem vive ao seu redor, é importante ter uma conversa séria sobre esse assunto. “Não falar não é uma opção. É preciso pontuar esse problema”, aponta Ana Caroline. “Mas é preciso ter clareza de duas coisas: o que eu quero que a pessoa entenda e como eu vou falar isso. Se um ex-casal ainda tem algumas mágoas, levantar essa questão de forma inadequada pode fazer com que o foco da conversa não seja o cuidado com a criança”.
Por fim, é importante não descarregar na criança a carga adicional de estresse que vivemos neste período. “É bom você se perguntar como está lidando com esse momento. A questão não é não ter sentimentos negativos, mas a forma como os vivenciamos. Eu os abraço e vivo neles ou consigo me reorganizar, me distrair e tirar o foco deles?”, questiona a psicóloga. “É um cuidado extra que todos nós temos que ter neste período”.
Com esse acúmulo de preocupações, que podem envolver desde o risco de desemprego até a atenção à criança presente em casa o dia todo, vale a pena redobrar o cuidado com o relacionamento com o ex-cônjuge. “Às vezes o jeito como eu falo soa como se eu estivesse acusando o outro de não ser um bom pai ou de não se preocupar com a criança. Comentários como ‘sua mãe é muito estressada’ ou ‘seu pai não está nem aí’ não são bons em momento nenhum, mas como neste contexto estamos todos mais à flor da pele, é importante ficar mais atento a isso”, indica Ana Caroline.