Quando se tem 2 ou 3 anos de idade não é tão fácil explicar o que se sente e nem assimilar tudo o que acontece à nossa volta. É por isso que, para entender o que se passa, as crianças usam um artifício muito particular: o faz de conta. O campo da realidade infantil torna as coisas mais "palpáveis", além de ser um ótimo indicativo sobre o que está ficando registrado na mente delas.
"Ao entrar no faz de conta, elas estão trazendo questões internas. Lá, entram em contato com elas mesmas e com o universo do mundo adulto", explica Fabíola Regina Ortega, da Comissão de Psicologia Escolar e da Educação do Conselho de Psicologia do Paraná (CRP-PR).
Segundo ela, brincando de escolinha, por exemplo, seu filho está mostrando o que há de mais marcante para ele nessa experiência. Já quando assume o papel de um herói ou de uma princesa, expõe conflitos ou dilemas pelos quais está passando. "Com essas encenações, ele dá indícios do que está acontecendo e vai criando mecanismos próprios para lidar com os problemas", esclarece.
Também é por meio das representações do faz de conta que as crianças desenvolvem o lado emocional e intelectual. "Usando o faz de conta, eles aprimoram capacidades como empatia, interação social e, principalmente, criatividade. É com esse aparato formado na infância, que vão conseguir desempenhar funções mais complexas na adolescência e vida adulta", disse Fabíola.
Porta de entrada
Pelo que afirmam os especialistas ouvidos pelo Sempre Família, é ainda na fase pré-escolar que a criança começa a manifestar essa habilidade. "Geralmente por volta dos dois anos elas começam imitando ações dos pais e de outras pessoas que estejam por perto (por isso da mãe e filha, da casinha, da escolinha, etc). E, depois, conforme vão ficando mais velhas, vão recriando outras situações que presenciam", aponta Fabíola.
Já a médica do Departamento de Pediatria do Desenvolvimento e Saúde Mental da Sociedade Paranaense de Pediatria, Jussara Ribeiro dos Santos Varassin, afirma que, o brincar de faz de conta é "a semente para a criatividade futura" da criança.
Segundo ela, "ao brincar, a criança vai criando imagens e fantasias. E, ao imaginar alguma coisa e tentar colocar aquilo em prática (como um castelo de almofadas, um trem de cadeiras ou um foguete de papelão), ela vai acumulando experiências. Vai arriscando para ver o que dá certo e o que não dá e pode, inclusive, perceber que é preciso mudar totalmente de caminho para conseguir o que quer".
A pediatra reforçou, ainda, que o faz de conta ajuda tanto no desenvolvimento neurológico quanto psicomotor dos pequenos. "Quando a fantasia é experimentada, a criança desenvolve melhor a criatividade – tanto para o lado artístico e corporal quanto para as outras virtudes da vida. Desse modo, ela treina áreas do cérebro que farão com que se torne um adolescente e um adulto com melhor capacidade física e de aprendizado", declarou.
Motivação
Mãe da pequena Clara, de 2 anos e 1 mês, a fonoaudióloga Kelly Antunes de Moraes disse que já começou a perceber os primeiros sinais do faz de conta no comportamento da menina. "Ela ainda é muito pequena, mas adora brincar de casinha e de comidinha. Tem até um acampamento montado na sala de casa só para ela", diz a mãe, que garante se divertir com a filha. "Eu participo com ela".
E essa tem que ser a postura dos pais, apontam os especialistas. Entrar na brincadeira faz com que as crianças se sintam mais seguras, além de fortalecer a conexão entre pais e filhos. "Uma maneira de estimular o faz de conta nos seus filhos é usar a clássica contação de histórias. Use a entonação nas falas e, se possível, depois da leitura, construa os personagens em formato de fantoches e faça com que ele encene o que ouviu", orienta Fabíola Ortega. Pelo que indica a psicóloga, essa também é uma ótima oportunidade para transmitir valores e falar sobre sentimentos com a criança.