Sofri o que apelidei de "síndrome de Marlin", uma compulsão por atitudes super protetoras como as do pai Marlin, do espevitado peixe-palhaço Nemo, do filme Procurando Nemo. Como aquele angustiado pai tive perdas que me desestruturaram e me tornaram mãe insegura. Assim também me tornei mãe sufocante.
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Tal qual Marlin, não media esforço para proteger filhos do mundo: comigo à frente de tudo, se livrariam de todas as ameaças. Tamanha preocupação logo virou obsessão e passei a subestimar filho adolescente. Seja pelo apego à criança de outrora ou pela cegueira ao adulto em plena ebulição, temi seu desejo de autonomia com preocupações exageradas e limitantes.
Como consequência, tolhia suas iniciativas de voo solo. Acometida pela síndrome, subestimei filho em seus primeiros sinais adolescentes de desbravar o mundo. O natural anseio por novas experiências me despertava, antes de tudo, medo; quase pânico. Surpresa foi descobrir que a partir da super proteção edificava sua baixa autoestima e insegurança; o impedia de crescer para viver... independente de mim e apesar das ameaças.
Como Nemo e Marlin
Ainda que as expectativas fossem de formar adulto independente, demorei a dar espaço para filho ensaiar seus primeiros voos solo. Sempre ocupada em lhe garantir segurança, temia que o mundo o engolisse sob riscos "desnecessários". A dinâmica ficou insustentável.
Gradativamente vivemos conflitos que denunciavam o descrédito em vez de amor a filho. Por fim, a inconsciente – e errada – mensagem enviada arrefeceu nossa relação. O exagerado protecionismo lhe parecia mais um atestado de incompetência, um ser extremamente frágil e incapaz de viver. O desespero de protegê-lo do mundo decerto o manteve seguro; porém, bem distante de mim. Tal qual Nemo; tal qual Marlin, esta história mudou.
Filho adolescente à prova
"Mãe, olha só: o Tony não vem me buscar. Tá tudo certo: já sei como chegar na casa dele. Vou pegar o trem, depois faço baldeação e, finalmente, pego metrô. Não quis te contar antes porque você ia me encher o saco. Fica tranquila, eu sei o que fazer e, se algo der errado, falo com ele por celular. Não tem erro, ok?". "O quê? Como assim? Tá doido? Estamos em outro país, em cidade desconhecida, com gente que não nos entende... havíamos combinado que ele te buscaria. Não..." – e continuei desfiando minha própria lista de contras ao plano já desenhado. Reagiria da mesma forma contrária se estivéssemos em casa.
Naquela megalópole estrangeira conhecida por sua caótica dinâmica urbana o grito de liberdade de filho soou mais alto... e assustador. Enquanto revelava o plano de independência silenciosa e meticulosamente elaborado, me inquietava ainda mais. O susto da notícia e o medo de uma qualquer falha me apavorava a ponto de nem mais escutá-lo e simplesmente paralisar.
A lição de subestimar filho adolescente
Dar-lhe a chance de desbravar por conta própria uma nova situação me aterrorizava. Presa a memórias de um passado doloroso, privava filho de seguir sua vida crescendo e conquistando autonomia naturalmente. Confrontada com sua coragem de ousar viver suas próprias experiências me dei conta de sofrer do que chamei "Síndrome de Marlin".
Despertada da permissiva redoma em que envolvera filho, dei-me conta também de que precisava me curar da mesma. O primeiro passo foi apostar naquele homem que sorrateiramente surgia sedento de experiências e que, para tanto, ansiava ser encorajado sob orientações em vez de comandos. Antes disso, confesso: tentei demover filho desafiando seu plano com perguntas do tipo "e se..." como meio de testar – e calar – seu desejo de voar sozinho neste mundo tão ameaçador.
À medida que respondia à cada uma delas, demonstrava seu preparo – e segurança – em encarar a situação não como risco mas como experiência de autonomia. De repente, a segurança que pensava prover, brotava dele; exclusivamente... dele. A mim bastava estar perto, bem diferente de como estava até então.
Pais de adolescente Marlin à prova
Reconhecer a síndrome de Marlin em mim me colocou à prova de como superá-la para libertar filho das limitações que lhe impunha de crescer. Como o pai no filme, me perdi de filho adolescente ironicamente pelo mesmo motivo: por medo de perde-lo. Curiosamente também o perdi para reencontra-lo em tempo de lhe assegurar não mais uma vida sem percalços, mas segurança incondicional para passar por eles juntos.
A vida é exercício constante e infinito em qualquer fase da vida. Ensina, amadurece e fortalece quem se propõe a vive-la de fato. Assim deixei de subestimar filho adolescente devolvendo-lhe o direito de crescer. Ainda que a prática me assuste e até me angustie em situações mais difíceis, já não tento mais controlar tudo como antes. Mudei e o difícil esforço transformou nossas vidas.
Mais uma etapa vivida, aprendida e vencida que nos tornou ainda mais fortes e, sobretudo, unidos no anseio hoje comum a ambos: de vivermos as experiências por vir confiantes em nossa capacidade de superar desafios juntos; de coração apertado mas incondicionalmente unidos. Marlin, quem diria, também cresceu.
*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.