Neste mês de outubro, completa-se um ano desde a última assembleia do Sínodo dos Bispos, no Vaticano, uma reunião convocada pelo papa Francisco para refletir sobre o papel da família na Igreja e no mundo de hoje. Para marcar a data, o Sempre Família conversou com o casal brasileiro que participou da assembleia sinodal a convite do papa, os professores universitários Pedro e Ketty de Rezende, de Campinas.
Casados há 36 anos e pais de sete filhos, Pedro e Ketty ministram cursos para casais sobre relacionamento conjugal, comunicação no matrimônio e educação dos filhos. Eles foram um dos dezessete casais do mundo todo que participaram como auditores do sínodo de 2015, que continuou a reflexão da assembleia sinodal convocada em 2014 sobre os desafios pastorais na evangelização das famílias. Após esses sínodos, o papa publicou a exortação apostólica Amoris Laetitia, em abril deste ano.
Como se deu a participação dos casais durante o sínodo? Quais eram as diferenças entre a sua participação e a dos padres sinodais – os cardeais e bispos?
Nas reuniões plenárias, a manifestação prevista para cada participante – e nós contávamos como um participante – era uma exposição de três minutos. Quando a plenária cumpria a agenda do dia e sobrava algum tempo, o secretário geral podia abrir inscrições para novas intervenções. Então, alguns cardeais ou bispos falaram duas vezes. Já nos círculos menores, divididos por afinidade idiomática, a nossa participação era livre. Éramos cerca de 25 pessoas por grupo, entre cardeais, bispos e leigos. Podíamos nos manifestar, questionar posições, e fazer propostas de alterações na redação do relatório sinodal. Era uma participação como que de pares, em relação aos padres sinodais, no que diz respeito a voz. A diferença é que somente os padres sinodais votavam os tópicos que eram repassados à equipe de redação.
Como o sínodo recebeu a intervenção dos leigos?
Havia pessoas que, por sua especialidade, abordavam algum assunto específico que complementava algo que já tinha sido exposto e traziam experiências de sua atividade como especialista, por exemplo, nas áreas de teologia, ética e bioética. Mas alguns dos casais falaram de seu próprio testemunho de vida. Conhecemos um casal indiano, em que ela era católica, mas ele cresceu como hindu, tendo depois se convertido. O testemunho deles trouxe uma realidade que contribuiu muito para uma visão mais abrangente dos participantes do sínodo, que representavam o mundo todo. Foram muitas contribuições, de naturezas diferentes, mas sempre muito enriquecedoras.
O papa sempre destaca a importância de os documentos da Igreja serem postos em prática. Como o ensinamento da exortação apostólica Amoris Laetitia pode ser bem assimilado pelos fiéis, ainda mais com tantas controvérsias sobre a sua interpretação?
Antes de tudo, é muito importante entender que as controvérsias são externamente criadas. Não são intrínsecas ao documento. Às vezes, as pessoas fazem leituras fora de contexto, com um viés a priori do que vão encontrar no documento, procuram achar em que o documento corrobora as suas próprias ideias e então dizem que o documento contém isso ou aquilo. Não, não contém. Você é que quis ler dessa forma. Muitas matérias que foram publicadas distorcem o seu conteúdo. A disseminação da exortação é muito importante, mas com fidelidade ao seu conteúdo. Ela não foi escrita apenas para os bispos ou para as pessoas que atuam nas pastorais. Foi escrita para os cristãos. Nós conhecemos várias iniciativas nesse sentido: há grupos de pessoas que se reúnem para estudar o documento; às vezes são fiéis de uma mesma paróquia, casais de amigos que se reúnem em suas casas, etc. O texto é simples, mas denso: tem muitos trechos que precisam ser meditados sem pressa.
Já há algum tempo a Igreja diz que a família não deve ser apenas objeto, mas sujeito da evangelização, e o sínodo ressaltou isso. Como as famílias podem viver essa vocação?
A questão é que não existe cristianismo de foro íntimo. Por sua própria natureza, o cristianismo é apostólico: busca aproximar outras pessoas da verdade da fé, que é Jesus Cristo. Tornar-se sujeito da evangelização significa ser um agente que promove esse apostolado. Isso pode ser feito no dia-a-dia, com os nossos amigos, no trabalho, no lazer, ou de forma mais institucional, vinculando-se às atividades pastorais que ocorrem nas dioceses. A família é sujeito da evangelização enquanto ela sai em missão, quando abre a sua casa e seu coração para receber outras famílias. O apostolado é também um chamado a fazer amigos, me interessando realmente pelas famílias que estão ao meu redor.
A partir da sua experiência com a formação de casais, como vocês veem a vitalidade do ensinamento da Igreja sobre o casamento e a família?
Através das atividades que realizamos, percebemos a ação do Espírito Santo na vida das pessoas. Eventualmente, ficamos sabendo de um caso ou outro de transformações de vida muito positivas, que são um realinhamento com os planos de Deus. Nos últimos anos, desde o Concílio Vaticano II, vemos na Igreja uma nova luz que chega ao mundo, e essa luz vem através das famílias, do testemunho das famílias fiéis. Na exortação Amoris Laetitia, o papa agradece especialmente a essas famílias, porque elas testemunham ao mundo a vontade de Deus; elas dão vida à Palavra de Deus. Não se trata de algo abstrato, de uma invenção de teólogos: é o próprio Deus que se manifesta nessas famílias que permanecem fiéis aos seus desígnios. Esses exemplos são mais efetivos que qualquer discurso ou homilia, porque constituem um testemunho encarnado.
E vocês experimentam isso na vida da sua família?
Com certeza! Não existe família ideal, como diz o papa. Todos estamos combatendo o bom combate, procurando ir em direção ao que Deus nos pede. Temos quedas, nos levantamos mais fortes com a graça de Deus e vamos em frente, levando junto quem está ao nosso lado. Essa é a dinâmica cristã.
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