Em 2010, quando ele usou o púlpito da igreja para falar sobre suas preocupações em relação ao resultado das eleições que viriam, o pastor Paschoal Piragine Jr., presidente da Primeira Igreja Batista de Curitiba recebeu duras críticas e muita audiência, tornando-se notícia no país todo. Na ocasião, com a ajuda de um vídeo, ele expunha as contradições do Partido dos Trabalhadores (PT) e da então candidata Dilma Rousseff em relação a alguns princípios sagrados para os cristãos, como o respeito à vida desde a concepção e o casamento válido exclusivamente entre homens e mulheres. O tema do aborto, aliás, chegou a pautar o discurso eleitoral às vésperas da votação.
Para quem acompanhava o noticiário político, nada no vídeo era exatamente uma grande revelação, mas, por obra do complexo fenômeno de viralização nas redes sociais, sua pregação alcançou milhões de brasileiros.
Seis anos depois, ele volta a falar do ocorrido, agora em circunstâncias muito diferentes. Dilma perdeu o cargo depois de um longo processo de impeachment e o PT passa por uma crise sem precedentes, com várias de suas lideranças históricas envolvidas presas, devido ao envolvimento em escândalos de corrupção.
Nesta entrevista ao Sempre Família, o pastor Piragine fala sobre as previsões que fez, sobre a moralização da política no Brasil e sobre o risco da liberação do aborto para o caso de bebês com microcefalia.
1) Como você viu a repercussão que se seguiu à divulgação do famoso vídeo de 2010?
Naquela ocasião eu tinha baixado os documentos do congresso do PT onde eles mostraram quais seriam as bandeiras que levariam se fossem eleitos, e isso teria que ser uma medida, como se fosse fechada pelo partido. Lendo depois todo o estatuto deles eu vi que eles não tinham muita abertura para questões de consciência. Eles têm um artigo sobre questões de consciência, mas a bancada no congresso só poderia se abster com uma liberação do diretório nacional. Essa liberação seria dada ou não de acordo com a intenção do partido e essa pessoa não poderia falar contra e nem fazer promoção de outra maneira. Ela não poderia ser contrária à posição do partido.
Como era um posicionamento muito fechado eu disse ‘não vote no PT’. Sei que outros partidos têm restrições, mas estes têm mais abertura ao direito de consciência. A grande crítica que recebi foi de que eu queria encucar a minha fé sobre as outras pessoas. O argumento que tenho em relação a isso é um pouco diferente: assim como marxistas, feministas e representantes LGBT têm direito a batalhar pela sua ideologia, em uma sociedade de direito constituída, qualquer cristão tem o direito de defender o que acredita, e não está impondo a sua religião quando faz isso. Apenas está dizendo o que ele acredita ser o melhor para a sociedade. Então para mim o argumento deles é que é, na verdade, uma espécie de perseguição.
Tenho ouvido algumas críticas em relação às 10 medidas e ao trabalho dos procuradores e a crítica é injusta, porque criticam eles dizem que desenvolvem um trabalho messiânico e alguns até falam que por serem evangélicos eles defendem esse messianismo (a ideia de que vão mudar a pátria). Eu acho que isso é preconceito. Só alguns são evangélicos. São dois dentro de uma força-tarefa de mais de 500 pessoas. É perseguição religiosa mais uma vez.
O que a Lava-Jato está mostrando aos brasileiros é que existe uma corrupção endêmica no do país, mas a força-tarefa sozinha não tem o poder de mudar isso. Não é um projeto messiânico, é um trabalho sério, com base em fatos que, talvez, nunca tenham sido demonstrados tão rapidamente e com tanta perícia. Eu vejo com bons olhos as 10 medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público e isso é uma vitória da sociedade e não do partido A ou B.
Quanto ao futuro, é difícil fazer um prognóstico, mas estamos em um momento de esperança. Tudo vai depender do que que vai acontecer nos próximos meses se essa esperança vai tomar forma de realidade. Por enquanto o que existe é um sentimento positivo, mas o próprio fatiamento do impeachment já gerou desconfiança, porque foi um total desrespeito à Constituição, e foi advogado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo presidente do Congresso. Então, quando a gente vê isso, ficamos com a seguinte dúvida: “O que acontece nos bastidores que ninguém fala, ao ponto de fatiar uma decisão que é ‘infatiável’ segundo a Constituição?’ A única coisa que me passa pela mente é que houve um acordo nos bastidores e que não aparece na televisão. E mais, ‘se a gente pode manobrar a constituição que segurança institucional a gente tem?”
3) E como o senhor tem visto a participação de evangélicos na política atual?
Tenho estudado muito sobre esse assunto. Até 1964 a participação de evangélicos na política era bastante forte. Procurando bem encontramos vários pronunciamentos, congressos acontecendo e discutindo questões políticas de modo abrangente.
Em 1964, com a revolução, as igrejas evangélicas de modo geral se calaram porque naquela época muitas das denominações eram dirigidas por missionários estrangeiros e seus veículos de comunicação foram orientados para não haver manifestações políticas. Isso durou muitos anos e uma ideia errônea de separação entre igreja e estado foi sendo disseminada. A ideia de separação entre igreja e estado de então era quase uma apatia política.
É preciso entender que, na bíblia, essa relação tem uma perspectiva diferente, onde a igreja tem uma missão profética de ser uma voz ética e consciente. Ela não pode estar ligada a um partido político e nem vinculada à política diretamente, mas as pessoas da igreja sim. O papel da igreja é dizer: “Olha, toma cuidado. Isso é bom e isso é mau”.
Agora os cristãos estão se mobilizando mais politicamente, especialmente a nova geração, com menos de 40 anos. Elas estão com um idealismo político saudável. Infelizmente, no passado, alguns deram mal testemunho, mas podemos ver na história política evangélica que a gente elegeu um grande número de deputados na Constituinte, que na eleição seguinte não foram reeleitos. Isso aconteceu porque eles assimilaram o jeito do poder e a própria igreja não votou neles.
Vejo que alguns ainda não estão preparados, ideologicamente e do ponto vista da missão, como papel político. Muitos não têm supervisores, alguém a quem prestar contas e então eu penso que nosso processo precisa amadurecer. Esses políticos eleitos terão que aprender a ter um grupo de pessoas que eles possam ouvir e que não sejam políticos. São pessoas que podem aconselhar, com base em determinada cosmovisão, e não para dizer “vota nisso ou vota naquilo”, mas sim lembrar sempre a questão dos valores morais. Os evangélicos estão na política, mas ainda falta maturidade para fazermos a diferença.
4) Há no Supremo Tribunal Federal uma ação para a liberação do aborto no caso de mãe infectadas com o Zika vírus, devido ao risco de fetos com microcefalia. Qual a sua opinião sobre isso?
Sou favorável ao movimento pró-vida. Eu não considero se é feto ou embrião, eu considero que se trata da gestação de uma pessoa humana ali dentro. Para mim a questão do aborto fica entre dois valores: o da vida e do direito ao corpo. Toda a vez que na ética você tem um conflito de dois valores, você tem que estabelecer uma ordem de prioridade, o valor maior. Aqui você tem um conflito entre ser dono do próprio corpo e o direito à vida daquele ser. E a vida é o valor maior, precisa ser colocada como prioridade sobre os outros direitos. O aborto seria um erro ético e toda a vez que se invertem esses pesos, cria-se um sistema que vai abrindo as portas da sociedade para verdadeiras atrocidades.
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