Na última terça-feira (29/11), uma decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tomada durante um julgamento na calada da noite abriu um perigoso precedente contra a vida do nascituro. Três ministros consideraram não haver crime em um caso envolvendo funcionários e médicos de uma clínica clandestina de aborto em Duque de Caxias (RJ) que tiveram a prisão preventiva decretada.
O posicionamento dos ministros carece de embasamento jurídico, processual, ético, político e científico, como ficou claro nas críticas que se levantaram nos últimos dias a respeito do julgamento. O Sempre Família coletou algumas dessas críticas, que são em última instância expressão de milhares de brasileiros. Conheça sete erros na decisão do STF sobre o aborto.
- O assunto do julgamento era outro
“O que estava em jogo no julgamento em questão era única e exclusivamente a existência de critérios técnicos para que fosse mantida a prisão preventiva dos cinco acusados – por exemplo, se eles poderiam prejudicar a investigação caso ficassem soltos”, recorda o editorial da Gazeta do Povo desta sexta-feira (02/12). Se os acusados tinham ou não cometido o crime – ou se o crime era de fato um crime –, nada disso estava em discussão. O ministro Luís Roberto Barroso – além de Edson Fachin e Rosa Weber, que o seguiram –, ao se pronunciar sobre essas questões, não extrapolou apenas a pauta do dia, mas também as competências do poder judiciário, assumindo a função de legislador.
- Alvará
Muitos que se posicionam a favor da legalização do aborto alegam que é necessário prover melhores recursos para que o aborto seja realizado de modo “seguro”, sem risco de vida para a mulher – condição que as clínicas clandestinas, que operam completamente à margem da fiscalização do Estado, não garantem. O deputado federal Flavinho (PSB-SP) apontou, porém, a seguinte contradição no julgamento, que dizia respeito a pessoas que operavam uma clínica de aborto clandestina: “O que o STF fez foi dar um alvará para que essas clínicas clandestinas funcionem”.
- Um combo de contradições legais
O jurista Ives Gandra da Silva Martins apontou em artigo na Folha de S. Paulo que a decisão do STF vai na contramão de uma enxurrada de leis do país. O artigo 5º da Constituição protege o “próprio direito à vida”. O artigo 2º do Código Civil diz que “todos os direitos do nascituro são assegurados desde a concepção”. O Pacto de San José, de que o Brasil é signatário, também declara, em seu artigo 4º, que a vida é assegurada desde a concepção. Silva Martins é claro sobre o parecer dos ministros: “Entendo que macularam a lei suprema, ao declararem que uma das grandes conquistas do século XXI é a da mulher assassinar seus filhos –enquanto ainda dela inteiramente dependentes, pois nos seus ventres.”
- Independência como critério?
Segundo o ministro Barroso, o aborto do embrião de três meses justifica-se porque ele não tem condições de sobreviver de forma independente – fora do útero, é inviável. O filósofo Carlos Ramalhete, que sofreu um acidente em 2014 e leva consigo algumas sequelas, lembrou que ele mesmo já não é “muito mais independente que um bebê dormindo na barriga da mãe”. O fato é que, em alguma medida, todos somos dependentes, todos “pesamos” na vida dos outros. Recorrer à dependência do feto em relação à mãe como algo que justificaria a livre escolha da mulher em assumir ou não o seu cuidado é uma armadilha perigosa para qualquer pessoa, sobretudo os mais fracos, os que têm alguma doença ou deficiência grave, os idosos, os refugiados, etc.
- Servilismo nacional
Além da questão da viabilidade do nascituro, o único outro argumento usado por Barroso foi o de que países desenvolvidos não tratam a “interrupção voluntária da gravidez” como crime até o terceiro mês de gestação. Em nota, o Movimento Brasil Sem Aborto foi claro sobre essa questão: “Copiar legislação de outros países anacronicamente e sem consideração dos fatores culturais e sociais é prática que denota falta de maturidade jurídica, considerada prejudicial à democracia por querer alavancar um suposto desenvolvimento à revelia da sociedade.”
- Um embrião não é artigo de fé
O debate sobre o aborto não é uma questão religiosa. Que o Estado seja laico, que a doutrina da Igreja não deva moldar o ordenamento jurídico brasileiro, tudo isso é verdade e a própria Igreja o reafirma. Mas, como lembrou o bispo de Palmares (PE), dom Henrique Soares da Costa, “um embrião não é crença, não é artigo de fé; um embrião é um ser humano em processo de personalização, como cada um de nós, até o momento da morte!” A Igreja também é contra a escravidão, contra o tráfico humano e a favor dos direitos trabalhistas – e ninguém a acusa de ingerência no debate público quando ela levanta a voz sobre esses temas. A fé em Cristo, que revela a dignidade da pessoa humana de maneira eminente, a inspira ainda mais a defender a todos, sobretudo os mais fracos, mas tratam-se de valores que não exigem a profissão de fé cristã para serem defendidos.
- 156 batimentos por minuto
O deputado federal Diego Garcia (PHS-PR) fez soar ontem (01/12) no plenário da Câmara dos Deputados os batimentos do coração de seu filho Pedro, que está em gestação. O som foi registrado em um exame realizado quando a esposa de Garcia estava com três meses de gestação. Na ocasião, a médica contabilizou uma frequência cardíaca de 156 batimentos por minuto. Uma vida, porém, que não é digna de ser amparada pela lei, segundo o entendimento da primeira turma do STF.
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