Quando crianças mais novas convivem com mais velhas elas aprendem a administrar diferenças e a viver em comunidade| Foto: Lukas/Pexels
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As primas Valentina Mori Vanso e Sophia Vanso Delmonego, de 3 e 8 anos, não se desgrudam. “Onde uma está a outra quer ir atrás. Elas se falam todos os dias, brincam juntas e querem estar o tempo todo uma do lado da outra”, conta Igor Bandeira Vanso, pai da menorzinha.

O corretor de seguros conta que a relação harmoniosa entre as duas só se desfaz quando Valentina descobre que tem coisas que a prima pode fazer e ela não. “A Sophia já fica sozinha no quarto para estudar. A Valentina, não. Estamos sempre junto e tem vezes que ela não entende isso”, diz o pai. 

Marjorie Rodrigues Wanderley, psicóloga e professora da Faculdade Estácio Curitiba, explica que a imitação é, na verdade, uma forma de a criança aprender. “Nessa fase, até os 6 ou 7 anos, a criança aprende pelo modelo. É aquela etapa em que a gente costuma falar para os pais que é mais importante o que eles fazem do que o que eles falam na frente dos filhos”, lembra.

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Segundo a especialista, da mesma forma que tem aquele filho mais velho que “regride” no comportamento – e parece querer voltar a ser um bebê – com a chegada do irmão mais novo, a criança que convive com outra mais velha também sofre interferência, só que para frente.

“Essa postura faz parte de um conceito da Psicologia que a gente chama de zona de desenvolvimento proximal. Ou seja, quando uma criança tem contato com outras que já dominam certas habilidades, a tendência é que ela acabe dando um salto no desenvolvimento. É uma tentativa de vinculação ”, aponta.

Isso justifica, por exemplo, o fato de os pais da Valentina acharem que o vocabulário dela é muito rico para quem tem menos de 4 anos. “Junto com a imitação vêm, também, as responsabilidades que a criança maior já tem. Como uma exigência do meio em que vivem, as menores acabam falando antes e aprimorando outras capacidades precocemente”, afirma Marjorie.

Etapas

Mas uma criança que tem 5 anos e se comporta como uma de 10 não estaria "queimando etapas"? Para a psicóloga, não. “Uma criança não consegue desenvolver uma habilidade sem ter os pré-requisitos para isso. No caso da fala, por exemplo, ela precisa saber balbuciar as palavras, ter o aparelho fonológico completo. Se ela for forçada a desenvolver algo que ainda não tenha, vai acabar gerando uma frustração, um transtorno de ansiedade”, avalia a especialista.

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Já a psiquiatra e psicoterapeuta infantil Maria Lúcia Maranhão Bezerra, presidente do Departamento de Saúde Mental da Sociedade Paranaense de Pediatria, afirma que: “é verdade que a criança menor quer imitar a maior, mas também é verdade que ela não vai conseguir. Coloque duas crianças de idades diferentes para jogar pega vareta e você vai ver uma coisa intransponível”, pondera.

Para ela, isso ocorre por conta da diferença na etapa de desenvolvimento. “Se por um lado a criança menor aprende a lidar com sentimentos como frustração, a maior é forçada a desenvolver virtudes como tolerância, cordialidade e limitação da sua rivalidade”. Ainda segundo Maria Lúcia, essas relações costumam ser extremamente vantajosas. “Porque é assim que a gente aprende a viver em comunidade, administrando todas essas diferenças”, garante.

Para os pais

As duas especialistas concordam, no entanto, que é dever dos pais entender e respeitar a fase que vive cada criança e assegurar que os menores não corram riscos. “O grande pode andar sobre uma mureta, o pequeno de jeito nenhum. Eu acho que tem que dizer que ela não pode mesmo, porque ela é pequena e porque isso tem uma série consequências”, indica Maria Lúcia.

Já Marjorie, em outras palavras, sugere o mesmo. “O que a gente orienta é que não seja cobrado da criança mais nova aquilo que é responsabilidade da maior, seja por uma questão de força, de altura, de raciocínio. Por isso é importante não tratar como iguais irmãos, primos ou vizinhos de idades muito discrepantes” conclui.