Existe um amplo consenso de que os primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo das crianças. Ainda, que isso influencia significativamente seu desempenho acadêmico subsequente, bem como outros indicadores relacionados a uma vida mais saudável e bem-sucedida.
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Vários estudos apontam caminhos para alcançar um ambiente mais formativo, tanto em casa quanto na escola, o que poderia beneficiar especialmente crianças de famílias pobres e reduzir sua desvantagem inicial em relação a outras.
Pode-se dizer que a lacuna educacional para alunos de famílias mais pobres começa antes mesmo de eles nascerem. A pesquisa indica que, mesmo descontando a influência de outros fatores como a estrutura familiar ou o tipo de escola, o nível socioeconômico dos pais – e principalmente o nível de escolaridade da mãe – representa uma desvantagem significativa para os alunos com menos recursos.
No entanto, também há consenso de que parte não desprezível dessa desvantagem pode ser amenizada com a intervenção precoce, especificamente durante os três primeiros anos de vida das crianças, antes mesmo de chegarem à educação infantil.
Pais pobres aprendem com os ricos
O tempo gasto pelos pais com os filhos em casa aumentou nas últimas décadas em quase todos os países do Primeiro Mundo, apesar da dedicação semanal ao trabalho também ter aumentado. Segundo um estudo de dois pesquisadores italianos, dos 11 países analisados – nove deles europeus, mais Estados Unidos e Canadá –, em todos, exceto na França, as mães gastaram quase o dobro de minutos nessas tarefas em 2012 do que em 1965.
O estudo revela que mães e pais sem ensino superior aumentaram muito sua dedicação aos filhos; mas como aqueles com diploma universitário intensificaram mais ainda o tempo com os filhos, a diferença cresceu consideravelmente em quase todos os países. Este foi especialmente o caso de 1970 até o início do século XXI.
Nesses anos, casais com mais estudos adotaram um estilo parental "intensivo" (mais conversa com os filhos, leitura em voz alta, desenvolvimento de atividades criativas etc.), talvez influenciado pela pesquisa incipiente sobre desenvolvimento cognitivo precoce. E isso, apesar de as famílias mais abastadas serem justamente as que poderiam se dar ao luxo de “terceirizar” mais essa tarefa, matriculando crianças em creches ou contratando babás.
Mas, embora tardiamente, parece que famílias de estratos culturais mais baixos estão aderindo à parentalidade intensiva. Um artigo no The Economist, sugere algumas causas possíveis.
Por um lado, a crise de 2007, que deixou os trabalhadores de baixa renda desempregados, possibilitou que eles passassem mais tempo em casa com os filhos. Por outro, multiplicaram-se as iniciativas de incentivo à parentalidade intensiva entre as famílias menos abastadas. Houve também um aumento significativo das matrículas na primeira fase da educação pré-escolar, o que está relacionado com uma maior atenção às crianças em casa. Por exemplo, uma pesquisa sobre o programa norte-americano Head Start mostrou que as crianças que frequentavam essas escolas eram mais propensas a que seus pais lessem livros em voz alta para elas.
Aproveitando a plasticidade do cérebro infantil
Quando os danos de um ambiente parental ruim começam a ser sentidos no cérebro da criança? A literatura científica não é unânime quanto a isso. Um estudo de um hospital pediátrico da Filadélfia publicado em 2017 documentou que, já no primeiro ano de vida, crianças nascidas em famílias de baixa renda, além de sofrerem maior insegurança alimentar e conflito familiar, apresentam desenvolvimento cognitivo inferior à média. Eles também têm menos brinquedos e materiais educativos apropriados para a idade. No entanto, outros estudos retardam os efeitos negativos da pobreza ou insalubridade familiar por até três anos.
Segundo o Council for Early Development, o momento em que o cérebro é mais sensível para controlar as emoções é antes de a criança completar 1 ano; quanto ao desenvolvimento da linguagem, entre o primeiro e o segundo ano de vida; e em termos de habilidades sociais e numéricas, entre o segundo e o terceiro. A partir dos 3 anos, o cérebro continua a se moldar em todos esses aspectos, mas sua plasticidade é menor.
“Conversar” com a criança importa
São os pais que assumem a maior parte da responsabilidade durante os anos-chave do desenvolvimento do cérebro. Assim, à medida que as pesquisas sobre o tema avançam, proliferam programas que visam ajudar as famílias a promover uma interação mais rica e estimulante com seus filhos, algo especialmente útil no caso de famílias de baixo perfil econômico-cultural.
Um exemplo desses programas são os do ParentChild+, uma organização norte-americana sem fins lucrativos que oferece apoio a famílias vulneráveis há 50 anos. O nome original do modelo era The Verbal Interaction Project e, embora ao longo dos anos tenham vindo a expandir o seu campo de ação, o desenvolvimento da comunicação verbal entre pais e filhos continua a ser o cerne das suas intervenções.
Este também tem sido o foco de muitas pesquisas sobre a relação entre o status social da família, o desenvolvimento cognitivo inicial e o desempenho acadêmico posterior. Segundo cálculos da LENA, organização semelhante à ParentChild+, até 27% da variação na compreensão verbal dos adolescentes é explicada pela quantidade de "conversas" que tiveram com os pais nos três primeiros anos de vida.
Ajudar os pais com menos recursos culturais – e geralmente financeiros – é especialmente útil. Um estudo de 2013 descobriu que crianças destas famílias que recebiam conversas mais diretas (não que simplesmente ouviam "em segundo plano") aos 2 anos de idade desenvolveram um vocabulário maior e melhor compreensão verbal. No entanto, outro publicado em 2016, apontava que os efeitos positivos de uma intervenção específica em famílias humildes desapareceriam a médio e longo prazo se não fosse dada continuidade.
A avaliação dos pais sobre sua própria capacidade de influenciar o desenvolvimento cognitivo de suas crianças e a inteligência “inata” de seus filhos também é importante. Vários estudos mostram que os pais mais convencidos de sua eficácia leem mais e conversam mais com seus pequenos, o que resulta em maior desenvolvimento precoce. Outra pesquisa destaca que, embora o efeito positivo ocorra independentemente das habilidades inatas do bebê, a verdade é que aqueles que apresentam maior capacidade cognitiva os 2 anos de idade recebem mais estímulos dos pais nos anos subsequentes.
O reforço da escola, não só educacional
Em praticamente todos os países da OCDE, a matrícula na educação infantil (0 a 3 anos) é menor entre as famílias com baixo poder aquisitivo e aumenta à medida que se sobe na escala social. A diferença é especialmente grande em alguns países como Irlanda, Bélgica, França, Holanda ou Reino Unido, enquanto é pouco significativa na região nórdica ou na Alemanha. Esta diversidade tem a ver, em grande parte, com a disponibilidade de vagas ou bolsas gratuitas em cada país, mas também com as peculiares tradições nacionais em matéria de parentalidade. Em todo o caso, os pais que mais poderiam se beneficiar da creche são, em geral, os que menos usam.
No entanto, a qualidade do programa importa mais do que a mera assiduidade. Os indicadores mais utilizados para medi-la são de natureza acadêmica: particularmente as habilidades linguísticas e numéricas que devem ajudar o aluno a começar com o pé direito no ensino fundamental.
Além disso, há dados que nos convidam a relativizar a importância dos alunos na fase pré-escolar: enquanto a vantagem em leitura ou matemática desaparece após alguns anos, o efeito positivo permanece até a vida adulta em outras áreas: mais probabilidade de se formar e ir para a faculdade, menos provável de ser preso ou usar drogas.
Um artigo da revista Vox publicado em 2019 explicava que isso ocorre porque o principal benefício oferecido pelas creches é proporcionar um ambiente agradável e estimulante para as crianças, para que os pais tenham liberdade para avançar nos estudos - principalmente aqueles com baixo nível cultural - ou suas carreiras profissionais.
De acordo com esses e outros estudos, o impacto a longo prazo do treinamento nos primeiros anos de vida de uma criança depende da qualidade do cuidado. Mas essa qualidade não deve ser medida apenas com critérios acadêmicos. Pais e escolas não devem confundir atenção intensiva com sobrecarga, nem esquecer que nestas idades a brincadeira pode ser tão instrutiva quanto a leitura.
© 2022 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol.