Agência RBS por Ticiano Osório
Isa Minatel (35), já tinha planejado toda sua vida após o nascimento do filho, Petrus, em 2011.Tiraria a licença-maternidade de quatro meses, emendaria com um mês de férias e depois voltaria para sua rotina “louca” de trabalho na área de treinamento comportamental da HP (multinacional de tecnologia).
Mas as coisas escaparam ao controle. O bebê não parava de chorar. Disseram a ela que era uma fase, que em três meses estaria tudo bem, mas se passaram três, quatro, cinco, oito meses e Petrus continuou chorando. “Pedi demissão por telefone. Eu, toda autoconfiante, a mulher que resolvia os problemas, não estava sabendo lidar com o negócio de ter um filho”, Isa conta em um TED.
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A partir daí ela mudou sua área de atuação. Passou a se dedicar à difícil, mas deliciosa tarefa da criação dos filhos – o dela e os nossos. Psicopedagoga com mestrado em Programação Neurolinguística e pós-graduação em Educação e Administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV), ela é diretora pedagógica da MundoemCores.com, plataforma online de cursos para famílias e educadores, e palestrante da Brain, empresa que fomenta o empreendedorismo e a criatividade.
Você diz que passou por uma reviravolta quando nasceu o Petrus e ele não parava de chorar. Pais só sabem mesmo o que é ter filhos depois de tê-los, né?
“Pais só sabem mesmo o que é ter filhos depois de tê-los.” Esta é uma afirmação interessante. Não sei se posso falar pela experiência de todo mundo, não sei se dá para generalizar, mas comigo foi. Até porque, no meu caso, eu não havia tido experiência com crianças pequenas, com bebês. Meu filho foi minha primeira experiência com bebês. Realmente, eu só soube o que era ter filhos depois de tê-los (risos). Mas existem profissionais que trabalham com pais e com crianças e que não têm filhos. E acho que a gente não deve invalidar a ação dessas pessoas.
Em um TED, você contou que tinha “tudo planejado” quando engravidou: licença-maternidade, um mês de férias e depois o retorno à rotina intensa de trabalho. Mas precisou mudar os planos. É possível conciliar a dedicação ao trabalho com a maternidade?
Acho que é super possível conciliar trabalho e maternidade. Aliás, acho que é necessário. Tem uma frase que digo: ‘Eu sou melhor mãe quando não sou 100% mãe’. Porque trabalhar me deixa feliz, me faz bem, me deixa produtiva, me deixa realizada. O que hoje tenho de consciência sobre isso é que, se a gente conseguir nos três primeiros anos diminuir o ritmo de trabalho, a carga de trabalho, o período de trabalho, para se dedicar mais à criança, é muito legal, muito importante, muito especial.
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Às vezes, a gente acha que não tem essa possibilidade porque fica pensando dentro de uma estrutura que já está posta. Mas se, por exemplo, observarmos as possibilidades dos ganhos online, encontramos esse lugar de mudar a rotina e o modo de trabalho. Esses três primeiros anos são fundamentais para a formação do caráter, dos princípios, dos valores da nossa criança.
Como pais e mães podem estudar para o “cargo”? E quando é bom usar o instinto?
Tenho trabalhado arduamente para oferecer algumas opções, nas minhas redes sociais, no meu canal no YouTube, que tem vídeo todo dia, nos meus livros, Crianças Sem Limites e Temperamento Sem Limites. Mas obviamente não tem só o meu conteúdo, né? Acho que esse estudo para ser pai e mãe deveria ser formal.
Há muita coisa linda para buscar, por exemplo, os ensinamentos de Maria Montessori (médica e educadora italiana, 1870-1952), a começar pelo livro A Criança. Acho que deveria ser leitura obrigatória para todo mundo que pensa em ter filhos. Sobre a segunda parte da sua pergunta, buscar informações e estudar não invalida o instinto, pelo contrário: aprimora o instinto. Às vezes, estou estudando justamente para conseguir me conectar com meu instinto.
Uma coisa que deve causar rebuliço na mente dos pais é o que você fala sobre não ter limites, o que não significa não ter educação. Pode explicar melhor a diferença que você faz entre limite e orientação?
É sempre bom poder conversar sobre essa questão do limite. Quando se usou o termo “limite” pela primeira vez na educação, tenho a impressão de que a pessoa estava falando da orientação. “Olha: até aqui você pode ir, daqui para lá você incomoda outras pessoas”. Ou: “As regras deste ambiente são estas”. E, nesse aspecto, o limite é extremamente positivo, necessário e importante.
O que ocorre é que ele não tem só essa conotação, só essa dimensão. Limite também remete a limitar, interromper, podar. Impedir que se expanda, que cresça, que tome o espaço. Nesse sentido, ele é bem prejudicial e acaba gerando pessoas, ora, limitadas. Quando você diz “até aqui você pode ir, dali para cá incomoda”, você está orientando.
Em um vídeo, você contou o episódio do bolo de seu aniversário, que teve a cobertura destroçada pelo dedo do Petrus. Aí, no seu entendimento, estava uma briga que valia a pena ser comprada. Como saber quais brigas comprar e quais não?
É preciso estudar para ser pai e mãe. Quando você estuda, você afina o que é importante para você, quais são os seus valores, e aí você tem uma boa bússola para saber quais brigas valem a pena ser compradas. Aquilo que a criança está fazendo que fere os seus valores e princípios é uma briga que merece ser comprada. É preciso cuidar para não destruir a vontade, a curiosidade, o interesse da criança.
“As crianças são sensíveis demais. Nossas palavras chegam a elas com um tamanho aumentado. Os filhos chegam a duvidar do nosso amor por eles, chegam a se questionar se são pessoas boas ou más”
As crianças são sensíveis demais. Nossas palavras chegam a elas com um tamanho aumentado. Os filhos chegam a duvidar do nosso amor por eles, chegam a se questionar se são pessoas boas ou más. Quando acharmos que é realmente necessário dar uma bronca, porque, na verdade, existem tantas outras formas de interagir com seu filho, em vez de castigo, cantinho do arrependimento, palmada, precisamos deixar claro que não é sobre o amor que sentimos por ele, que ele é uma pessoa boa, apenas aconteceu uma situação que requer orientação.
O que você acha do que chamam de “adultização” das crianças, essas agendas lotadas de aulas e de temas que consomem bastante tempo em casa?
É importante deixar na agenda da criança um tempo para ela ser criança, viu? O ócio também é importante em alguns momentos. Claro, não é um tempo para ser criança fechada num apartamento na frente de uma tela, de TV ou de celular; é um tempo para ser criança de verdade. A gente está tentando garantir um bom futuro e eliminar os riscos, mas corre-se um risco maior ao tentar eliminá-los.
O risco dessa criança retornar à infância depois que a fase já passou. Ou então de ela crescer, mas não ser plenamente realizada, pois ficou tão focada no fazer as coisas que estavam na sua rotina e na sua agenda, que ela não se tornou um ser humano e sim um “fazer” humano. Ou pior ainda: a criança pode se tornar um “ter” humano, pois ela descobre que só tem valor quando tem certas coisas.
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