Desde pequeno o Eduardo mostrava habilidades linguísticas e lógicas pouco comuns para a idade dele. Quando começou a ir para a escola, lá também alguns sinais mostravam que ele não era tão comum. "Ele estudava em uma escola particular e tirava notas muito altas. E eu soube algum tempo depois, que ele tinha esse bom desempenho, mesmo dormindo em sala", diz a mãe do menino, Fernanda Salvi, de 34 anos.
Pouco tempo depois, o Eduardo foi transferido para uma escola municipal de Curitiba, e lá os dois comportamentos se mantiveram: dormia em sala, mas tinha ótimas notas. "Dois meses depois fui chamada na escola para me contarem que ele dormia em sala, literalmente, e eles achavam que ele teria sérias dificuldades nas avaliações. Só que eles se surpreenderam porque ele tirou nota máxima em tudo", lembra Fernanda.
Não demorou até que a escola sugerisse à Fernanda para que procurasse orientação especializada e o que eles desconfiavam foi confirmado: Eduardo tem altas habilidades que se destacam no raciocínio lógico. "Na aula de português e de geografia eu me acho igual a todo mundo. Mas na aula de matemática eu não entendo porque os outros ficam confusos e eu não", conta Eduardo, hoje com 10 anos.
Sentimento de inadequação
O comportamento apresentado por Eduardo na escola, de se sentir deslocado – e no caso dele até dormir em sala de aula – , costuma ser comum em crianças com altas habilidades ou superdotadas. Algumas refletem esse desconforto sendo mais agitadas, por exemplo, o que pode até ser confundida com uma hiperatividade. E não é desdém deles pelo trabalho do professor. É simplesmente o fato de que aquilo que está sendo apresentado a ele, ele já aprendeu de alguma maneira ou compreendeu nos primeiros momentos de explicação.
Maria Lúcia Prado Sabatella, fundadora e presidente do Instituto para Otimização da Aprendizagem (Inodap), explica que a criança com altas habilidade/superdotação, quando não se identifica no lugar em que está inserida, tende a se isolar e reagir de maneira a mostrar que não está tudo bem. "Algumas se isolam na escola, mas tem aquelas que somatizam o problema, passam mal na ida ao colégio, têm febre e até vomito", diz. "E isso é facilmente confundido com preguiça de ir para a aula. Mas ele só está inadequado a aquele ambiente", completa.
Como identificar
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo menos 5% da população brasileira pode ter altas habilidades/superdotação, mas não é identificada. E isso nem sempre acontece não porque ela própria dificulta isso. É que comumente a família procura ajuda especializada quando a criança tem algum déficit. "Os pais se assustam quando veem que um filho não é comum e está fora da normalidade. Não é fácil para ele lidar com isso também", conta Maria Lúcia.
Já no caso de um superdotado, para o pai parece mais estranho obter ajuda para ver o motivo pelo qual seu filho parece ser acima da média. "Soa esquisito procurar auxílio porque o filho é muito inteligente. Quando há alguma falta é mais fácil que o pai busque ajuda. Para aquele acima da média não", comenta a especialista ao reforçar a importância de se consultar um psicólogo capaz de analisar corretamente a criança.
Mas como ter certeza de que seu filho tem de fato altas habilidades, para cuidar dele adequadamente? É necessário, claro, estar atento aos sinais comportamentais do pequeno e não descartar possibilidades. De acordo com Maria Lúcia, o superdotado não é padrão e nunca vai ser. E se não for estimulado em tempo certo, esse indivíduo terá problemas futuros, com reflexos em sua socialização, possivelmente.
A criança superdotada costuma se comportar diferente de outras com a mesma idade em festinhas com amigos e entre a família, não se adequando a alguma brincadeira ou se distanciando; ela é bastante precoce em alguma área de desenvolvimento, tendo o interesse por ler ou fala corretamente palavras que não são comuns à sua faixa etária, e há quem aprenda a andar cedo. "Na fala não é dizer palavras difíceis aleatoriamente. Os superdotados costumam ouvir, internalizar a palavra e a usam dentro do contexto certo, usando os esses e erres perfeitamente", exemplifica especialista.
Outra dica de Maria Lúcia é verificar a árvore genealógica da família. É que a alta habilidade/superdotação é uma questão genética e possivelmente próxima daquela criança está alguém com característica semelhantes. "Às vezes os pais podem não ter habilidades excepcionais, mas o avô da criança tem, um primo, tio. Alguém por perto vai ser asism também", explica.
Testes e laudos como auxílio para o desenvolvimento
Após avaliações que atestem que a criança tem de fato altas habilidades, um laudo é emitido. Oficialmente esses teses, como a Escala Weschler (WISC), por exemplo, são feitos a partir dos 6 anos. Diante do laudo, a instituição de ensino deve ser comunicada pelos pais, pois é preciso que aquela criança recebe estímulos extras para se desenvolver.
O laudo é um importante instrumento legal para que a família possa proceder corretamente em várias situações. "Nossa equipe faz esse acompanhamento também. Quando identificamos um superdotado, nós vamos até a escola para auxiliá-la também nesse processo, porque há casos de avanço de série", comenta Maria Lúcia. "E lá na frente, esse laudo também ajudará no caso de o aluno passar no vestibular, mas ainda não ter idade suficiente para ingresso em uma faculdade".
Saúde mental
Na escola, o trabalho feito pela equipe de Maria Lúcia garante que o aluno tenha um enriquecimento curricular. "A alta habilidade/superdotação entra na legislação da educação especial e é preciso que as escolas atendam as necessidades deles também". E, novamente, Maria Lúcia pede que os pais não tenham "vergonha" de dizer à escola que seu filho tem uma inteligência acima da média. "Eu reforço: o superdotado precisa de atenção no momento certo, porque ele pode passar a vida em frustração. Não é questão de ser privilegiado, ele é alguém incomum".
No caso de Eduardo, a Fernanda optou por deixar somente algumas pessoas-chave sabendo que o filho tem altas habilidades. Ela contou ao Sempre Família que o menino passou a sofrer bastante quando as pessoas souberam que ele tinha altas habilidades.
"Ele se cobra demais em atender às expectativas dos outros e sofre muito com erros. Para a saúde mental dele se manter boa, eu fiz isso. Assim ele é tratado normalmente por todos", comenta a mãe que percebeu em pessoas próximas comportamentos que faziam com que o menino se sentisse mal. "Achavam que ele era um pequeno gênio, um Einstein, e isso fazia mal".
Mas a recomendação de estimular Eduardo é seguida à risca pela família. Por ter um raciocínio lógico apurado, ele costuma jogar xadrez em casa e agora frequenta um curso preparatório para ingresso no Colégio da Polícia Militar em Curitiba. " O curso tem disciplinas variadas que são mais 'puxadas' e isso ajuda", diz Fernanda. Além disso, o menino faz aulas de natação e participa do grupo local de folclore polonês.
Desenvolver as habilidades do superdotado sem excluí-lo é fundamental para que no futuro esse indivíduo consiga conviver bem em um ambiente de trabalho e na sociedade em si. "Por isso não temos instituições especiais para eles. É preferível que ele seja incluído na escola normalmente, com currículo enriquecido, estímulos extras lá e em casa, para viver bem", finaliza Maria Lúcia.