A vida sexual pode, sem dúvida, desempenhar um papel muito significativo em nossa vida. Uma sexualidade vivida, no entanto, de forma plena, positiva e saudável não é algo automático. É necessário certo grau de maturidade para evitar experiências negativas nessa esfera: uma maturidade que um adolescente de 12 ou 13 anos – a idade média em que os meninos e meninas brasileiros iniciam a vida sexual, segundo o Observatório Nacional da Família – não tem.
“Há uma área no nosso cérebro que é extremamente importante, porque está ligada a habilidades como tomada de decisões, análise e planejamento, que é o córtex pré-frontal. Essa área só termina de ser amadurecida ao entrar na fase adulta – aos 20 ou 21 para os meninos e um pouco mais cedo para as meninas”, explica a psicóloga Cláudia Nasser. E aí é que está a dificuldade: na adolescência, o corpo dá sinais de já estar preparado para a vida sexual, mas as habilidades cognitivas que são determinantes para uma experiência sexual positiva não estão amadurecidas.
Bem, se já não é tão simples lidar com diversos aspectos da vida sexual depois que o córtex pré-frontal está formado, imagine com as habilidades de análise e tomada de decisões comprometidas – e ainda mais em uma fase tão delicada como a adolescência, em que a construção do sujeito está em jogo. E não são apenas as questões neurológicas que estão implicadas.
“Muitos adultos também não estão preparados para a vida sexual. Não é a idade que vai outorgar essa liberdade, mas a saúde mental, que envolve a maturidade neurológica, mas também psicológica”, aponta Cláudia. “O desenvolvimento saudável da afetividade e da sexualidade vem do processo de autoconhecimento, ou seja, de entrar em contato com seus sentimentos, saber o que é importante para você, evitar decidir por algo que você não gosta para agradar ou conquistar o outro. Para isso, é preciso não só tempo como coragem, pois se conhecer é se deparar não apenas com nossas potencialidades, mas com nossas limitações”.
Falar ou não falar: eis a questão, só que não
Entre falar ou não falar sobre sexualidade com seu filho, a escolha é óbvia: o assunto precisa, sim, estar presente nas conversas entre pais e filhos. O fato é que não dá para fingir que esse tema não existe: se os pais não falarem sobre sexualidade, os filhos continuarão tendo acesso a informações e orientações sobre o assunto vindas de outras fontes.
“Não há mais o que não se falar. A internet fala sozinha. Por isso é importante os pais falarem. Isso não vai trazer curiosidade, mas esclarecimento e fortalecimento do vínculo”, ressalta Cláudia.
“Muitos pais abafam esse assunto, como se fosse algo vergonhoso, que não pode ser mencionado e sobre o qual não se pode ter curiosidade. Mas a curiosidade existe desde que somos criancinhas. Claro que não vamos transmitir todas as informações a uma criança pequena. Mas aos pouquinhos é preciso transmiti-las, sim, em especial no mundo em que estamos hoje”, orienta a psicóloga Ana Caroline Bonato da Cruz.
“As informações já estão aí, facilmente acessíveis: a questão é como elas são interpretadas”, precisa Ana Caroline. “Então, se os pais auxiliam a criança a ter um entendimento sobre a vida sexual, dentro dos valores da família e do exemplo que os pais dão, será mais fácil ter um jovem bem orientado”.
Abertura e diálogo
Na base da possibilidade de conversar sobre o tema com o adolescente, está a abertura para que, na relação com os pais, ele possa expressar seus sentimentos, opiniões, medos e desejos sem que os pais os deslegitimem através de julgamentos apressados. Se o pai ou a mãe reprime ou subestima o sentimento expresso pelo filho, não dá para esperar que ele continue se abrindo. Mesmo que a forma de falar sobre sexualidade varie ao longo das fases da vida da criança, coibir o assunto nunca é uma boa opção.
“Pode ser que a primeira pergunta seja ‘como nascem os bebês’ ou ‘de onde eu vim’, ou ainda que a criança ouça a palavra ‘gostosona’ em uma música e pergunte o que isso significa. E isso pode acontecer com 3 ou 4 anos de idade”, explica a bioeticista Daiane Priscila Simão-Silva. “Nessa idade a criança não espera explicações complexas e extensas. Mas a forma de receber a pergunta será um determinante para que ela sinta que tem alguém com quem pode conversar e, com o tempo, evoluir nos questionamentos”.
“Responder com ‘você não tem idade para essas coisas’ é exatamente o oposto das atitudes de construção de caminho para abertura ao diálogo”, alerta Daiane. “É a forma da resposta ao questionamento feito pela criança ou adolescente que deve ser adequada para cada idade”.
“Se o filho se aproxima da adolescência e nenhuma conversa aconteceu, é importante começar a buscar estratégias de diálogo que demonstrem a abertura dos pais para orientá-lo sobre a vivência saudável da sexualidade, pois com alguém ele irá dialogar e é possível que as orientações não sejam dadas da forma mais adequada”, orienta a bioeticista.
Estratégias e caminhos
Daiane dá uma dica para abrir a conversa: “Na adolescência, o diálogo sobre a letra de uma música ou sobre o enredo de alguns filmes ou séries de interesse dos filhos podem ser uma ótima oportunidade de perceber seus conceitos, dúvidas e inquietações referentes à vivência da sexualidade”, afirma a bioeticista.
Enxergar os dois lados da ponte também é um fator decisivo para construir uma relação bacana com os filhos. “Os pais pensam: ‘Eu gostaria que meu filho se abrisse comigo’. Mas se eu não me abro, finjo que sempre estou bem, nunca mostro como lido com minhas dificuldades, é impossível criar um vínculo nesse sentido”, esclarece Cláudia. “Abrir-se faz com que o filho entenda que os pais também passam por dificuldades e saiba como eles lidam com elas”.
Outro elemento importante para um bom relacionamento com os filhos nessa esfera é buscar resolver as próprias questões ligadas à sexualidade. “As experiências dos pais com o início da vida sexual podem se refletir na forma de lidar com os filhos. Se o pai ou a mãe sofreu, por exemplo, algum tipo de abuso, pode acontecer que tente superproteger o filho nessa esfera”, completa Ana Caroline. E se o assunto é cercado de tabus e de uma proteção excessiva, o resultado não será nada bom. Segundo a psicóloga, muitas vezes os adolescentes usam o começo da vida sexual exatamente como uma forma de enfrentar o posicionamento dos pais.
“A nossa explicação será tão saudável quanto a forma com que nós mesmos nos relacionamos com o tema. Se a sexualidade for vivenciada de forma natural, as questões não irão despertar em nós espanto ou indignação”, resume Daiane.