Quando pensamos em relacionamentos e interações sociais saudáveis, pensamos em pessoas que exercem o respeito, a empatia, que buscam o autoconhecimento, que sabem se colocar no lugar do outro e, principalmente, que sabem respeitar tanto seus próprios limites quanto os dos outros. E, assim como aprender um outro idioma ou um novo esporte, quanto mais cedo todas essas noções forem assimiladas, melhor.
Aprender desde a infância sobre o que se pode tolerar ou não em uma relação, até onde se pode ir com o outro e também consigo mesmo é uma lição que abrange muitas áreas da vida, desde as esferas pessoais até as profissionais. Por isso, educadores e especialistas alertam para a importância de se conversar sobre consentimento com os pequenos.
Consentir é concordar, permitir, aprovar alguma atitude e, segundo a psicóloga Ana Caroline Bonato da Cruz, são as regras e os limites ensinados pelos pais em casa e também pelos educadores na escola que vão começar a formar essa consciência já na primeira infância.
“Os limites vão ajudar a criança a aprender como interagir com o outro. O que eu posso emprestar para o meu colega? O que não posso? O que posso falar ou não? Quando preciso obedecer? Quando devo expressar minha opinião? Isso vai nortear muitas questões de convívio social”, explica Ana.
Segundo a psicóloga, essa percepção terá influência direta nos relacionamentos futuros da criança, inclusive no trabalho. “O quanto eu deixo uma pessoa me ofender, me elogiar, tocar em mim ou me influenciar? Quais são os limites das minhas funções? Tudo isso passa pelos limites aprendidos”, afirma.
Além disso, diante do cenário cada vez mais assustador de violência e abusos sexuais na infância, inserir noções de limites e consentimento na educação dos filhos pode ser uma ferramenta muito eficaz para minimizar esses riscos. De acordo com reportagem da Agência Brasil que traz dados do Disque 100, só no ano de 2019, foram registradas 17.093 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Os registros apontam que em mais de 70% desses casos a violência aconteceu dentro de casa, ou seja, foi cometida por pessoas próximas a criança. Isso cria um alerta ainda maior e é preciso que os pais estejam atentos a todos os sinais apresentados pelos filhos.
Confira as dicas apresentadas pela psicóloga e que podem ajudar os pais a ensinar as crianças sobre limites e consentimento:
- Reflita sobre como você realmente lida com esse assunto
O diálogo com os filhos é sempre muito importante, mas para que isso aconteça de uma forma saudável, é preciso que os pais sejam bem resolvidos em relação ao tema. Às vezes é um assunto que é travado para os pais, mal resolvido e isso dificulta a ideia de transmiti-lo de uma forma mais saudável para suas crianças.
Mulheres que sofreram abuso em algum momento da vida, por exemplo, podem superproteger suas filhas mulheres e essa superproteção pode ser um tiro no pé, um “fantasma” que a mãe carrega e que está passando para a filha de uma forma não saudável. Então, é sempre importante os pais refletirem sobre o assunto na sua própria vida para depois passar aos filhos. - Seja um exemplo na forma como se relaciona
A maneira como os pais se relacionam com os filhos e com outros adultos mostra às crianças o que é certo, o que é errado, o que pode ou o que não pode. Se você é daquelas pessoas que dá liberdade total para os outros, provavelmente seu filho vai achar que isso é normal e que está tudo bem ser assim. Por isso, cuidado com suas atitudes! - Converse com seu filho sobre as partes do corpo
Às vezes os pais têm medo ou vergonha de falar sobre isso com os filhos, mas se os pais não conversarem e não acolherem as dúvidas das crianças, alguém vai acolher! Por isso, é fundamental que os pais estejam dispostos para oferecer essa educação. Hoje em dia é possível encontrar vários livros sobre o tema e dicas sobre prevenção de abuso que também podem ajudar.
A hora do banho é uma ótima oportunidade para ensinar os pequenos sobre autonomia e reconhecimento de partes do corpo. Explique quais são as regiões que só a criança pode tocar e incentive, inclusive, que ela aprenda a lavar sozinha essas regiões. Se ela precisar de ajuda, pode pedir sem problemas, mas a decisão será dela. Provavelmente, em algum momento ela também terá curiosidade e fará perguntas sobre o corpo do sexo oposto, quando isso acontecer, explique com naturalidade e simplicidade. A curiosidade é natural e é importante que ela obtenha as respostas de pessoas em que pode confiar. - Nunca obrigue seu filho a cumprimentar e beijar as pessoas
Existe um senso comum de que as crianças precisam cumprimentar e beijar todo mundo e, geralmente, há um mal-estar quando a criança não faz isso. É muito comum que os pais forcem os pequenos: “vai, dá um beijo na sua tia, dá um abraço!”, “que feio não cumprimentar o amigo do papai”, etc. É preciso ter muito cuidado com isso! A criança não precisa estar aberta a todo mundo e os pais são os primeiros que devem respeitar essa posição da criança.
Se a gente ensina desde criança que não cumprimentar é feio, a gente está ensinando que ela precisa aceitar tudo e não é isso que a gente quer. Se isso gerar algum desconforto no convívio com os amigos e com a família, você pode ensinar ao seu filho outras formas de cumprimentar, como dar tchau de longe ou apenas cumprimentar com a mão. As próprias crianças também dão sinais dos seus limites, mas muitas vezes os adultos, para atender algumas demandas sociais, acabam quebrando esse limite ou forçando as crianças a quebrarem. - Esteja atento a todos os sinais que a criança dá
Valide o sentimento da criança quando ela demonstra rejeição ou medo de alguma pessoa da família ou amigo. Não brigue com ela! Pode ser que não tenha acontecido nada, mas também pode ser um sinal importante de que aquela pessoa não faz bem ao seu filho. Esteja sempre atento e converse com seu pequeno quando perceber algum desses sinais.