“Não, filho, você não pode agir assim. Tem que ser exemplo para os seus irmãos. Eles se espelham em você”. Dez em cada 10 pais já ouviram algo do tipo, ou mesmo usaram dessa artimanha para tentar corrigir o filho mais velho depois de ele ter aprontado. Só que além de não funcionar, insistir na tática da “responsabilização” pode resultar em uma série de consequências psicológicas difíceis de corrigir no futuro.
“Eleger um filho como modelo perante os outros acaba trazendo um peso, uma responsabilidade, que nem sempre ele é capaz de suportar. É só a gente pensar que, às vezes, esse 'mais velho' é uma criança de 4 anos. Já imaginou o tamanho da carga para administrar sozinho?”, argumenta a psicóloga Maísa Pannutti, supervisora do Colégio Positivo e doutora em Educação.
Para ela, acima de tudo, os pais devem educar os filhos pensando em torná-los cidadãos. “A mensagem não deveria ser: você tem que agir assim para ser um bom exemplo para o seu irmão, mas, sim: você deve agir assim para ser uma pessoa boa, uma referência positiva para quem quer que seja”, defende a especialista.
Maísa lembra, ainda, que na fase pré-escolar (dos 3 aos 6, 7 anos) é absolutamente comum – e saudável – que a criança aprenda pela cópia, mas indica que essa imitação seja convertida em estímulo e não em obrigação. “O ideal é que os pais usem as atitudes dos filhos mais velhos como inspiração para os mais novos. ‘Viu, filho, que legal que o seu irmão conseguiu?’, no sentido do incentivo”, recomenda.
Consequências
Já Marjorie Rodrigues Wanderley, professora do curso de Psicologia da Faculdade Estácio Curitiba, recorda que, antigamente, era comum que irmãos mais velhos assumissem a criação dos mais novos – inclusive suprindo obrigações básicas como alimentá-los, dar banho, pôr na cama e levá-los para a escola. “Muitas vezes era uma questão mesmo de necessidade, das famílias serem mais numerosas e dos pais não darem conta de atender a todos ao mesmo tempo”, avalia.
Pelo que considera, no entanto, dar ao irmão mais velho a incumbência de servir de exemplo é uma forma de podar a infância dele. “É praticamente o mesmo que você dizer que ele não pode errar, que tem que acertar sempre. E a gente sabe o quanto isso é ruim. O ideal é que os responsáveis passem para os filhos que errar e lidar com as frustrações faz parte do processo natural da vida e que ninguém está livre disso”, ressalta.
Pé no freio
Por mais “cômodo” que fosse ter uma aliada em casa, a analista de treinamento, Roberta Kely Souza, entendeu que era hora de frear algumas atribuições repassadas à filha Amanda, de 13 anos. “Por ela ser mais velha, por ser menina, eu acabava pedindo que fizesse muitas concessões aos irmãos: ‘Ah, filha, dê o teu para ele. Ele é pequeno, não entende’, ‘Não faça assim que ele vai querer fazer igual’, ‘Ajude a mãe e faça tal coisa para eles’”, descreve.
Como consequência, Roberta percebe que a filha se tornou super-protetora dos irmãos. “Eu vejo que em certas ocasiões ela deixa de se impor por se sentir responsável por eles. Ela cuida, defende, quer acobertar, sendo que o contrário não acontece. Por isso, a gente começou a prestar mais atenção para intervir e tentar equilibrar. Hoje eu vejo que agi erroneamente”, reconhece.