Personalidades, temperamentos, costumes, opiniões. No mundo em que vivemos, nenhuma outra espécie tem tantas diferenças entre si quanto os seres humanos. É por isso que dizem por aí que conviver é uma arte. Alguns de nós aprenderam a dominá-la, outros não. E dá para arriscar dizer que se o nosso mundo ainda não é um lugar de paz, parte da culpa é dos que ainda são inábeis nessa arte.
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E como desenvolver essa aptidão para a boa convivência? Assim como aprender um novo idioma ou a tocar um instrumento musical: quanto antes melhor. Se ainda na infância as crianças forem acolhidas e orientadas em sua maneira de conviver, muito provavelmente serão adultos mais maduros, que sabem ter empatia e dialogar com o diferente.
Ser ponte entre a criança e o mundo
Segundo o professor e autor de material didático em Filosofia Matheus Cedric Godinho, por volta dos 2 anos de idade, a criança começa a desenvolver um raciocínio, mas ainda está bastante autocentrada. “Ela ainda não tem uma percepção completa da relação com os outros, aquilo que ela desenvolve, pensa e imagina está totalmente vinculado a ela. Só existe ela no mundo”, comenta.
É somente a partir dos 4 anos que os pequenos começam a realmente ter uma percepção do outro. E é nessa fase que, de acordo com Godinho, os pais precisam estar atentos e dispostos a apresentar aos filhos o universo que existe para além deles, sendo uma “ponte” entre a criança e o mundo. “É para isso que serve a família”, afirma o professor.
No entanto, o papel dos pais vai além de apenas apresentar o mundo. É seu dever fazer uma mediação entre a criança e as novas experiências. Com autoridade, mas sem autoritarismo, eles devem “mediar as decisões das crianças, pontuar aquilo que é válido e aquilo que não é e, claro, em muitos momentos, colocar limites”, aconselha.
Deparando-se com as diferenças
Quando a criança começa a ir para a escola, por volta dos 4 ou 5 anos, ela já tem consciência de que existem opiniões divergentes. Segundo Godinho, é nesse momento que os pais devem começar um trabalho de lapidação da capacidade de diálogo e de acolhida daquilo que é diferente.
“É bem importante que os pais conversem bastante com a criança, escutem dela o que aconteceu, qual foi a rotina, quais os conflitos que surgiram”, comenta o professor, salientando ainda que um ponto fundamental nesse exercício é colocar a criança em confronto com ela mesma em relação às atitudes que tomou.
Por exemplo, se a criança chegar em casa e contar aos pais que discutiu com o coleguinha na escola, os pais podem fazer a mediação questionando-a com carinho: por que houve essa discussão? Como foi sua reação? Será que essa foi a melhor reação possível? Será que você não poderia ter reagido de outra forma? Como você se sentiu quando foi confrontado? Como você acha que o colega se sentiu? E assim por diante.
“Esse diálogo com a criança, fazendo com que ela reflita sobre as próprias atitudes em relação aos outros é sempre fundamental para que ela amadureça uma consciência de si mais empática”, afirma o autor, alertando ainda que, no entanto, é preciso muito cuidado para não assumir uma postura nem de protecionismo em relação ao próprio filho e nem de um juiz que tira a autonomia da criança.
Nomear os valores
Sobre esse exercício de mediação, Godinho também sublinha a importância de os pais exporem aos filhos aqueles valores que são importantes para a família e, a partir disso, conduzam a criança a perceber quando age de acordo com aquele valou ou não.
O professor dá algumas sugestões para a condução do diálogo: “olha, nessa situação em que você não quis fazer a atividade com aquele colega, você acha que foi gentil? Que foi justo? Que teve compaixão desse colega? Como você se sentiu? Como você se sentiria se estivesse no lugar desse colega e alguém agisse assim com você?”. Depois disso, os pais decidem se cabe uma reorientação ou não.
O poder do ambiente
E por último, mas não menos importante, é preciso que os pais estejam conscientes de que, mais do que aquilo que dizem e orientam aos filhos, os pequenos estão sempre atentos às atitudes dos pais. Por isso, é necessário cuidar para que a maneira de colocar as próprias opiniões no ambiente domiciliar não soe agressivo e impositivo.
“Um pai que é autoritário e grosseiro com a mãe, por exemplo, dá um testemunho para a criança”, comenta Godinho. “Uma família que sabe acolher as diferenças, que sabe dialogar entre os diferentes, é uma família que vai gerar crianças que saibam acolher e saibam dialogar”.
Para anotar
- Dialogar sempre
- Medir o próprio tom de voz quando se sente confrontado
- Evitar dar respostas autoritárias
- Agir com autoridade, sem autoritarismo
- Evitar fechar questões sem dar uma justificava plausível
- Evitar falar de maneira impaciente