Os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos filhos, não apenas matriculando-os na escola, mas engajando-se de forma ativa no seu desenvolvimento integral. Um dos elementos mais importantes nesse processo é o campo da afetividade, isto é, o modo como entendemos e lidamos com as nossas emoções. Estar atento ao que acontece dentro de nós e saber como reagir aos sentimentos de raiva, medo ou satisfação são habilidades decisivas em nossa vida.
Naturalmente, seria de pouco resultado dar uma palestra para os filhos sobre o tema. Embora uma base teórica seja importante para esclarecer o assunto, muito do processo educativo passa também, justamente, pela afetividade. A convivência, os relacionamentos, os exemplos e os produtos culturais influenciam fortemente as crianças – e também a nós mesmos – mesmo que não percebamos. E é aí que os pais podem se servir desse dado para usá-lo a seu favor e utilizar na educação afetiva das crianças uma das coisas de que elas mais gostam: filmes de animação.
Divertida Mente
O filme de 2015 da Pixar é, sem dúvidas, a primeira opção quando se pensa na educação da afetividade. Os seus personagens principais são cinco emoções – Alegria, Raiva, Tristeza, Medo e Nojinho – que vivem na mente de Riley, uma adolescente que enfrenta os desafios de mudar de cidade e de colégio. Na história, Divertida Mente apresenta, de forma sofisticada, mas acessível, o funcionamento da mente e das emoções humanas. Os pais podem trabalhar o conteúdo do filme em, no mínimo dois níveis, dependendo da idade da criança.
As crianças menores não conseguem ainda assimilar toda a mensagem do filme sobre as emoções, as memórias e tudo o mais. Mas as características dos personagens – olhar caído, testa franzida, postura corporal, etc. – a ajudam a compreender a relação entre a emoção sentida, a expressão dessa emoção e a sua denominação. “A ideia da educação emocional é que a criança reconheça em seu corpo o que está acontecendo, porque ela é antes de tudo corpo e a partir daí forma a sua dimensão cognitiva”, diz a psicóloga Ana Caroline Bonato da Cruz. “Por isso, o primeiro passo da inteligência emocional é nomear o próprio sentimento”.
A partir dos 11 ou 12 anos, quando o espectador passa a se identificar com Riley, já é possível trabalhar de forma mais abrangente o conteúdo do filme. Uma ideia é conversar sobre o que o adolescente considera que sejam as suas “ilhas” – no filme, pontos fundamentais da autocompreensão da pessoa – e quais as memórias que estão na base delas.
Madagascar
O filme de 2005 da Dreamworks, que conta a história do leão Alex, da zebra Martin, da hipopótamo Glória e da girafa Melman, é uma boa pedida para tratar de amizade e convívio com as diferenças. “Quando um amigo quer algo e outro quer outra coisa, o que você faz? Fica cada um para o seu lado da ilha?”, aponta Ana Caroline. “Por exemplo, se a criança diz que brigou com um amiguinho na escola, os pais podem perguntar: ‘Ah, que nem o Alex e o Martin? Mas lembra que quando eles ficaram bravos um com o outro não adiantou nada e no fim eles fizeram as pazes?’”
Ainda que as crianças sejam pequenas, é sempre uma boa opção não subestimar a sua capacidade de compreensão. “Mesmo que na hora os filhos entendam pouco do que os pais estão dizendo, as crianças costumam nos surpreender. Pode ser que, tempos depois, a criança se refira a um filme para explicar algo que sentiu”, afirma a psicóloga.
Frozen – Uma Aventura Congelante
A história de Elsa e Anna, que se tornou um dos maiores sucessos da Disney, é uma boa dica para compreender como lidamos com medos e desafios. Uma reação comum da criança à insistência dos pais para que superem medos como dormir sozinha ou falar com as pessoas é o isolamento, o fechamento em si mesma – como Elsa no filme de 2013, que, não sabendo lidar com seus poderes, se enclaustra em um castelo de gelo.
“Muitas vezes a criança se esconde debaixo da cama, não quer ir para a escola, etc. Resolve o medo? Não”, diz Ana Caroline. Uma conversa com a criança a partir do filme, segundo a psicóloga, pode seguir na seguinte linha: “A princesa Elsa fez um castelo lindo e maravilhoso, mas isso resolveu o problema dela? Não. O que resolve? Sentar e conversar com quem você gosta – como Anna procura fazer no filme”, diz.
Valente
Para filhos que estão entrando na adolescência, uma boa pedida é Valente, da Pixar. Lançado em 2012, o filme conta a história de Mérida, uma princesa da Escócia medieval que, rebelando-se contra um casamento arranjado, acaba discutindo com a mãe e metendo-a em uma grande enrascada. No decorrer da história, ambas precisam repensar a relação para superar o mal-estar entre mãe e filha.
A relação entre Mérida e seus pais pode ajudar os adolescentes a compreender que os pais também têm a sua própria história, com seus limites e preocupações próprios. “O adolescente precisa passar por um processo de criação de empatia em relação aos pais”, diz Ana Caroline. “Eles também se cansam, também erram, também têm medos. Antes de ser pais, são pessoas”, lembra a psicóloga.
Up – Altas Aventuras
No mesmo sentido, Up – Altas Aventuras, de 2009, pode servir para trabalhar o desenvolvimento da empatia com os idosos, sobretudo os avós. A produção da Pixar conta a história de Carl, um viúvo um tanto rabugento que se propõe a realizar o sonho alimentado por anos com a sua esposa: conhecer o Paraíso das Cataratas, na América do Sul.
Muitas vezes, as crianças têm dificuldade para entender e se relacionar com os idosos – “eles falam a mesma coisa o tempo todo”, “são mal-humorados”, etc. “O filme pode ajudá-las a entender que o idoso tem uma história por trás do seu modo de ser e que também precisa de compreensão e carinho”, diz Ana Caroline.
Lilo e Stitch
O valor da família é fundamental nesse filme de 2002, que conta a história de um alienígena, Stitch, adotado pela pequena Lilo como se fosse um cãozinho. Ela e a sua irmã mais velha, Nani, perderam os pais em um acidente de carro e o relacionamento entre as duas é um dos temas centrais desse filme da Disney.
Lilo e Stitch concentra-se no conceito havaiano de ohana, que enfatiza os laços e a cooperação entre os membros de uma família. “Ohana quer dizer família. Família quer dizer nunca mais abandonar ou esquecer”, repetem os personagens do filme. Segundo Ana Caroline, os pais podem aprofundar essa ideia para reforçar os laços familiares, tanto entre eles e os filhos quanto entre os irmãos.
Vida de Inseto
Já se vão 20 anos desde a estreia de Vida de Inseto, um clássico da Pixar. O filme conta a história de uma comunidade de formigas que, graças a uma confusão do protagonista Flik, recorre à ajuda de uma trupe de circo formada por insetos diversos para superar a opressão de Hopper e sua gangue de gafanhotos.
A produção pode ajudar as crianças a compreender a importância de ouvir o outro e de saber trabalhar em equipe. “O filme ressalta como cada um pode contribuir com algo que é diferente, mas que é igualmente importante, e a reconhecer tanto os talentos dos outros como o seu próprio”, aponta Ana Caroline. A partir da condição de Flik, que tem dificuldade para ser ouvido pelos outros, os pais podem conversar com a criança sobre o seu relacionamento com os amigos na escola, por exemplo.
Kung Fu Panda
A história de Po, um panda desajeitado que sonha em ser lutador de kung fu, é inspiradora no que diz respeito à superação dos obstáculos na busca por nossos sonhos. “Ele é todo atrapalhado, desengonçado, e fica para trás diante de outros lutadores com porte atlético”, lembra Ana Caroline. “Mas persevera e alcança o seu sonho”.
O filme da Dreamworks, lançado em 2008, pode ser trabalhado nesse sentido. “Temos crianças frustradas demais, cedo demais”, diz a psicóloga. “Faz parte da educação da afetividade acreditar nas próprias potencialidades. Para isso é decisivo, como no filme, o apoio dos pais, que devem evitar comparações entre seu filho e outras crianças e incentivar que ele tenha sonhos e faça o possível para alcançá-los”.
Carros
O filme da Pixar, de 2006, pode ser definido como a jornada de Relâmpago McQueen para descer de seu pedestal, deixar de achar que é o centro de tudo e abrir-se a novas realidades, sobretudo àqueles que inicialmente considera inferiores. “Ele tinha tudo, mas não tinha nada”, avalia Ana Caroline. “O seu ego inflado afastava qualquer possibilidade de amizade”.
Para a psicóloga, o filme é útil para os pais trabalharem questões como preconceitos e pré-julgamentos – o velho “não julgar um livro pelo capa”. Conhecer mais de perto Mate e os outros habitantes daquela subestimada “cidadezinha do interior” foi, mais tarde, a grande salvação de McQueen, não apenas em sua carreira, mas na procura de amizades felizes e leais.
Toy Story 3
O sucesso da Pixar, lançado em 2010, aborda a fase de transição da infância para a adolescência e por isso é ideal para trabalhar as emoções de pré-adolescentes. “O filme o ajuda a entender que está tudo bem se de vez em quando ele ainda quer brincar com coisas mais infantis, ao mesmo tempo em que vai entrando na adolescência”, destaca Ana Caroline.
“O pré-adolescente fica meio que sem repertório, se comparando o tempo todo com os outros para ver o que ele não pode mais fazer ou o que ele já pode fazer”, afirma a psicóloga. Nesse sentido, os pais podem abordar essa questão a partir de Toy Story 3, deixando claro que essa confusão é normal e garantindo que a transição caminhe de forma serena e proveitosa.
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