O período do luto jamais será fácil de atravessar. A perda de alguém querido, especialmente um familiar, gera um sentimento que pode ser complicado de superar, mas que é necessário para a compreensão da vida humana. Para muitos pais, é complicado explicar a uma criança que um parente de quem elas eram bem próximas já não vai estar nas próximas reuniões de família. Apesar disso, há sim maneiras de lidar bem com o momento do luto de uma criança.
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A psicóloga Ana Caroline Bonato da Cruz explica que muitos pais têm a tendência de não serem claros com os filhos nesse momento, com medo de que eles sofram ao saberem da verdade. Dizer que um avô está agora dormindo para sempre, por exemplo, pode ser até traumático para elas. “A frase ‘Vovô dormiu para sempre’, pode fazer com que a criança passe a ter medo de dormir e ter o mesmo destino daquela pessoa”, comenta.
Permitir que as crianças coloquem seus sentimentos à mostra também colabora para que elas superem o momento. Essa postura pode ajudá-las a se desenvolver e mostrar que, mesmo em momentos difíceis, a família está presente para dar suporte. “Ela precisa chorar, ficar triste e sofrer, para que se desenvolva. E precisa ver que tem apoio em momentos como esse”, diz a especialista.
Sinais do luto
A compreensão da morte varia de acordo com a idade da criança, segundo o psicólogo especializado em luto Luís Henrique Michel. Segundo ele, até por volta dos cinco anos a criança vê a morte como algo que pode ser revertido. Depois, porém, entre os cinco e os nove anos, ela vê a morte como algo que é o final da vida, mas acredita que pode escapar de sua própria morte. Só a partir dos nove, em geral, ela costuma compreender que a morte é mais do que um final: é algo inevitável.
“Ainda assim, o modo de uma criança receber a morte nunca será exatamente igual ao de outra”, diz Michel. É fundamental ver nesse momento a importância que aquele que faleceu tinha na vida da criança. “É sempre importante questionar: ‘Qual o lugar que aquele que faleceu ocupava na vida do enlutado?’ Todo luto é único, porque toda relação é também singular”, completa.
Segundo Ana Caroline, é possível que a criança tenha reflexos da dor da perda em seu próprio corpo. Ela pode experimentar falta de apetite, dor de barriga e até tremores. O problema é que as crianças nem sempre conseguem associar o que estão sentindo com a situação que estão vivendo. Por isso, cabe aos pais prestar atenção a pequenas alterações de comportamento ou, durante o processo do luto, fazer perguntas simples a elas, como: “Você está sentindo alguma dor na cabeça?”, “Você percebeu alguma coisa diferente em você?”
Esquecer ou superar?
Assim como acontece com os adultos, a criança vai perceber a ausência da pessoa querida no seu dia-a-dia. Para Michel, é necessário entender que o luto é uma vivência natural que surge a partir da morte de um ente querido – não há como superar ou esquecer, mas sim, encontrar um novo espaço para aquela pessoa na vida dos que ficam. Não será o mesmo lugar, porque aquele que faleceu já não está ali enquanto corporeidade, segundo o especialista, mas será uma memória preservada.
“Ela já não fala, não abraça, não se emociona. No entanto, ela se mantém ‘preservada’ em termos de valores, sonhos, lembranças e costumes”, explica Michel. Aprender a lidar com essa “presença-ausente” é o desafio de todo enlutado, independentemente da idade.
Para as crianças, ainda, livros e filmes podem ser usados pelos pais no momento de ajudar a criança a passar por esse momento. Ana Caroline diz que há literaturas e filmes que abordam especificamente essa questão e que os pais podem e devem lançar mão desses recursos ao ajudar os filhos. “É possível usar os personagens para debater com a criança sobre aquela questão. O livro O passarinho de Júlio morreu, e agora? é um título que pode auxiliar, e filmes como O Rei Leão também”, diz ela.
O papel da religião
O teólogo Alex Villas Boas, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), avalia que a experiência da criança com a religião, nesse momento, pode ser maravilhosa ou traumatizante. Isso depende da maneira como a comunidade religiosa consegue humanizar a situação. Um exemplo negativo, segundo ele, é a justificação de todas as coisas pela vontade de Deus. “Esse tipo de mentalidade religiosa pode provocar revolta na criança, por não entender porque Deus levou embora uma pessoa amada”, comenta.
“Segundo a compreensão da tradição teológica, nem tudo que acontece é vontade de Deus, mas Deus nunca nos abandona. Isso é positivo!”, diz Villas Boas, que sublinha que é assumindo as contrariedades da vida que se torna possível o encontro com Deus. A religião ajuda a criança na compreensão da morte, mas “só é eficaz quando ajuda o ser humano a humanizar a sua condição”, pondera o teólogo.
A morte para a criança deve ser ensinada como algo com que se deve lidar durante a vida. É importante mostrar que, mesmo que a morte pareça ser uma experiência ruim, Deus não abandonou aquela pessoa que faleceu e nem mesmo os que ficaram – sem colocar a “culpa” em Deus.
Para alguns doentes, por exemplo, a morte natural pode ser um alívio às dores que sentia. “Nesse sentido, se ajudamos as crianças a entenderem a morte como parte da vida, e que não é vontade de Deus e nem castigo, a experiência religiosa, ao menos a cristã, ajuda a alimentar a esperança e a gratidão pela pessoa que partiu”, conclui Villas Boas.