O que fazer? Quem ouvir? Fulano fez isso e deu certo, enquanto Ciclano fez aquilo e deu errado. Eu copio? Devo seguir os manuais à risca? A educação X é compatível com minha forma de pensar? Devo aplicar o método Z?
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Muitos são os questionamentos feitos sobre a criação dos filhos hoje. Porém, a educação das crianças sempre foi um desafio para os pais, independente da geração. De tempos em tempos as dificuldades são superadas, mas novas aparecem no caminho e precisam ser enfrentadas.
De fato, a psicóloga Andreia Moessa Coelho acredita que embora não se possa dizer que a educação era mais fácil para as gerações anteriores, muitos são os problemas enfrentados hoje em dia pelos pais. Ainda que nunca tenhamos sido tão civilizados quanto somos hoje, segundo a psicóloga, atualmente os pais vivenciam um sofrimento exacerbado na criação dos filhos. “O sofrimento é decorrente de uma preocupação por oferecer uma felicidade sem limites e evitar qualquer tipo de supostos traumas às crianças”, conta a especialista em psicanálise, perinatalidade e parentalidade, que palestrou na Feira Cute Cute, no início de junho.
O receio dos pais é tão grande que muitos sentem dificuldade em fazer coisas triviais ou necessárias, deixando de estabelecer limites por receio de parecerem violentos ou até mesmo por colocar um bebê no chão, com medo de configurar abandono ou desamparo. Priscila é mãe do Pedro, de 13 anos, e do Miguel, de 11, e concorda com a psicóloga. Ela acredita que os desafios encontrados agora não são nem maiores, nem menores do que antes, mas diferentes.
“Antigamente, o acesso ao conhecimento era mais controlado. Hoje o acesso à informação é muito rápido e intenso. Com isso, as crianças acabam entrando em campos desconhecidos, descobrindo coisas de forma precoce para sua idade, amadurecendo antes do tempo correto”, diz.
Como a exigência de uma criação perfeita afeta os pais?
Sentir-se cobrado na criação dos filhos, como se tivesse que garantir um resultado, é comum de se ver entre os pais. Com Priscila não é diferente. A bancária explica que a maior cobrança não vem dos outros, mas de si mesma. “Eu me cobro para criar pessoas que tenham caráter e valores, que saibam fazer o bem e o certo” conta ela. “Quando percebo algum tipo de desvio penso ‘onde foi que eu errei’ e busco corrigir as rotas, doa a quem doer”, complementa.
A princípio, as exigências comuns dos pais é de que consigam educar bem e com respeito seus filhos, e isso é muito importante. Porém, Andreia alerta que a cobrança não seja feita com base em receitas prontas, e até mesmo manuais, que moralizem a educação e tornem os pais reféns de seguir determinadas regras.
Não é incomum encontrarmos na internet modelos prontos do que deve ser feito ou dito pelos pais. Só que isso pode tirar o protagonismo da família, que deixa de refletir sobre a própria história, buscando uma padronização na educação. “Um tom exato na fala, a quantidade de palavras certas, sempre se agachar para falar na altura dos olhos. Essas recomendações são interessantes, mas não correspondem exatamente com a dinâmica da vida”, alerta a psicóloga às mães, para que não se sintam falhas por não estarem conseguindo cumprir integralmente com os manuais de uma boa educação.
Além do mais, Andreia destaca que tentar encaixar o próprio filho nas regras citadas em livros, pode induzir os pais a acreditar que a criança tenha algum transtorno ou que eles mesmos são os problemas, por fugirem do padrão pré-estabelecido, impactando em consequências prejudiciais na educação e no desenvolvimento do menor.
O risco da interferência externa
Priscila conta que um dos desafios encontrados na educação de seus filhos foi o desrespeito das regras impostas por terceiros. “Enquanto se é pequeno, os outros não veem problema numa birra ou numa alimentação inadequada e tiram a autoridade dos pais, frente às crianças. Porém, quando adulto, ao se escandalizarem com as mesmas atitudes, irão responsabilizar os educadores por não ter mantido os filhos nos valores e padrões educacionais que esperam”, desabafa.
Quando os pais não se sentem autorizados a educarem os próprios filhos da forma que acreditam, segundo Andreia, deixam de transferir a segurança emocional necessária para as crianças, impactando numa fragilidade de referencial.
Diferentemente, quando um adulto assume o papel de pai ou mãe e estabelece os limites, impondo como que uma lei simbólica na educação da criança, oferece meios seguros para o desenvolvimento infantil. “É como se os pais fossem a margem de um rio. Se não existir a margem, a água não corre, não tem um caminho para seguir. Assim como, sem as orientações de um responsável, a criança não tem referências para se desenvolver”, ilustra a psicóloga.
Como ter segurança para educar
A segurança de que a educação dada seja suficiente para preparar as crianças para o futuro inexiste, segundo a mãe do Pedro e do Miguel. Porém, mesmo assim, Priscila acredita que os pais devem buscar oferecer o melhor na educação de seus filhos, sempre com o ânimo de acertar. “É basicamente tentativa e erro. Às vezes se erra tentando acertar. Porém nunca podemos perder de mente que a criança depende exclusivamente de você e que o seu comportamento influenciará diretamente no comportamento dela e no que ela será”.
Ao se deparar com os desafios na criação dos filhos, Andreia orienta que os pais sempre dirijam para si mesmos seus próprios questionamentos e se apropriem das reflexões feitas. “Como você tem percebido? Como você pensa isso? Essas são algumas das perguntas que os pais podem se fazer para entenderem que, muitas vezes, eles mesmos podem construir as respostas”, explica a psicóloga.
Depois de refletirem, podem recorrer aos seus próprios pais, amigos com filhos e profissionais de referência, para que com diálogo, troquem experiências sobre as suas posições quanto à educação das crianças. Lembrando que sempre podem existir divergências.
E a tecnologia?
A tecnologia influencia nossa vida, isso ninguém pode negar. Além do mais, é muito difícil acreditar que uma criança nunca será exposta as telas. Contudo, os pais devem observar qual a relação criada entre essa ferramenta e os filhos.
“O Pedro e o Miguel, há pouco tempo, têm celular. Porém, eles têm horário determinado para acessar cada tipo de conteúdo, como jogos, pesquisas, leitura e estudo”, conta Priscila que acredita que a tecnologia também pode ser utilizada para educação e desenvolvimento das crianças.
Para uma utilização adequada, Andreia orienta que a tela não seja a fonte principal de interação para criança. Ou seja, que os laços constituídos sejam feitos com pessoas encarnadas, capazes de assumir o papel de sustentar, educar, acolher e ensinar, sem que sejam substituídos por celulares e computadores.