No dia 6 de setembro, o Supremo Tribunal Federal deu início ao julgamento de um recurso extraordinário sobre a constitucionalidade do homeschooling no Brasil. Trata-se da possibilidade de educar os filhos em casa, pelos próprios pais ou responsáveis, sem matriculá-los numa escola. Regulamentada em 65 países, a educação domiciliar ainda não tem lei específica no país, mas é adotada por cerca de 7 mil famílias e está em expansão, segundo dados da Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED). A ausência de legislação, contudo, fez com que, ao longo dos anos, várias famílias fossem processadas por agentes do estado, sob a imprecisa acusação de abandono intelectual. Todos os processos foram suspensos em 2016 e agora, finalmente, a justiça brasileira deve emitir um parecer definitivo a respeito dessa opção educacional. O julgamento deve prosseguir na próxima semana.
O Sempre Família conversou com Alexandre Magno Fernandes Moreira, diretor jurídico da ANED e principal responsável pela defesa do homeschooling junto ao STF. Ele falou sobre o fundamental a se saber sobre a modalidade:
Sempre Família: O que a lei diz sobre educar os filhos em casa?
Alexandre Magno: Não há nenhuma lei que fale expressamente sobre esse tipo de educação aqui no Brasil. Nada que diga que é ou não inconstitucional.
SF: Quem adota a Educação Domiciliar hoje pode ser punido pela justiça?
Alexandre Magno: É preciso diferenciar duas situações:
Até novembro de 2016 acontecia de algumas famílias serem processadas porque o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases determinarem a matrícula obrigatória nas escolas. O processo era quase 100% das vezes civil, raramente criminal e atingia um percentual pequeno das famílias. Algo em torno de 1,5%. As condenações que aconteceram resultaram em multas. Nunca houve risco concreto dos pais serem presos ou perderem a guarda dos filhos por educá-los em casa.
Então, a partir de novembro de 2016, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso determinou a suspensão dos processos que estavam sobre as famílias que educavam em casa. Essas famílias estão com os processos paralisados até que o STF decida a respeito. Como consequência, nenhuma outra família pode ser processada até que o tribunal decida sobre a constitucionalidade da educação domiciliar.
SF: Há perspectiva de regulamentação (projetos de lei em andamento e ações no STF)?
Alexandre Magno: Existe o PL 3179/2012 tramitando na Câmara dos Deputados que trata do acréscimo de parágrafo ao art. 23 da Lei nº 9.394, de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica. Ele ainda não entrou em votação, mas deve ser agilizado após a decisão do STF.
SF: Por que o número de famílias que adota a Educação Domiciliar tem crescido?
Alexandre Magno: É um fenômeno social que tem crescido nos últimos anos aqui no Brasil. Em 2010 tínhamos 800 famílias na Educação Domiciliar e hoje já são mais de 7 mil. E todos os anos esse número cresce acima de 50%. Isso é causado por um descontentamento com o sistema educacional tradicional, tanto privado quanto público. Antes era algo mais exótico e agora se tornou mais uma opção para a família. É o que chamamos de normalização da Educação Domiciliar.
SF: O que alega quem é contrário à Educação Domiciliar?
Alexandre Magno: Os contrários em geral não têm conhecimento do que é essa educação. Eles geralmente alegam a falta de socialização da criança, o que é um argumento falacioso. Digo isso porque antes da Educação Domiciliar se tornar um fenômeno, não se dizia que a escola era um local para socializar. A criança socializa em todos os ambientes e ao dizer isso essas pessoas insinuam que os pais estão mantendo os filhos quase em cárcere privado. Educar em casa não significa excluí-las de forma alguma. Outro ponto que não se fala tanto, mas há rumores, é em relação à qualificação dos pais. Isso incomoda principalmente a academia que tem seus cursos específicos para a área.
SF: Quais os pontos favoráveis e desfavoráveis da prática?
Alexandre Magno: Um ponto muito favorável é a individualização do ensino. A escola pega um padrão e impõe a todos e hoje não há dúvidas de que cada criança e adolescente tem interesses específicos. Não dá para ter uma média, mas na escola não há como fazer diferente. Para as crianças com necessidades especiais também é algo bastante interessante, porque elas precisam de um cuidado específico que pode sobrecarregar os professores.
O que há de desfavorável é que não há oferta de bons produtos educacionais em português. Famílias que dominam a língua inglesa têm vantagem nessa hora, porque podem buscar informações em sites de fora e comprar livros do exterior.
SF: Há mais de um tipo de Educação Domiciliar? Quais são?
Alexandre Magno: A grosso modo a gente consegue distinguir três grupos: um convencional que procura seguir mais ou menos o currículo escolar e que não quer se distanciar pela necessidade de passar em testes padronizados; um segundo grupo que tem crescido muito e que procura a educação clássica, onde é desenvolvido um espírito crítico por meio da literatura; e há um pequeno grupo, que são os “unschoolings”, e que não optam por um currículo pré-definido, mas sim, uma liberdade maior para a criança se desenvolver.
SF: Os pais devem ter alguma formação acadêmica específica ou há alguns fatores imprescindíveis para que eles possam oferecer as aulas em casa?
Alexandre Magno: O que é imprescindível é que a família seja funcional e que pai e mãe sejam responsáveis. Dificilmente um pai ou mãe sozinhos – que sejam solteiros ou viúvos, por exemplo – conseguem administrar essa questão. Isso porque há a necessidade de disponibilidade de tempo para acompanhar as tarefas dos filhos. Mas esse é um requisito está sendo bem questionado, porque temos visto pais e mães que têm se organizado em seus trabalhos, com horários flexíveis, para atender a essa demanda. Um ponto importantíssimo é que a família tenha apego à cultura. Pessoas interessadas e que leiam bastante para que tenham o que repassar aos filhos.
SF: Crianças e adolescentes que participem de Educação Domiciliar podem adquirir certificados ou diplomas de conclusão de curso?
Alexandre Magno: Ainda não, justamente pela ausência total de regulamentação. Então lidamos aqui com improvisos que dão certo, como os exames de supletivos. Com 15 anos o adolescente pode a prova de um supletivo do Fundamental, sem a necessidade de ter aulas no curso, e aos 18 faz o Ensino Médio. E o que tem chamado a atenção é que todos os alunos que fizeram essas provas, tendo passado pela Educação Domiciliar, foram aprovados.
SF: Como é a oferta de materiais para a Educação Domiciliar em português? Como obtê-los?
Alexandre Magno: É baixíssima aqui no Brasil, como disse anteriormente. Então o que existe é uma grande interação entre famílias que se ajudam indicando materiais, cursos e vídeos. Temos uma comunidade muito vibrante no WhatsApp e Facebook, onde os pais buscam o que precisam ensinar aos filhos, como química para adolescentes, por exemplo. Há algumas iniciativas de pequeno porte de mães que estão querendo organizar alguns materiais de apoio. Sabemos de uma mãe em Florianópolis que educa em casa e faz coaching de Educação Domiciliar e produz alguns materiais. Em Brasília, a Associação Nacional de Educação Domiciliar tem dando consultoria a um grupo que deseja prover materiais às famílias e queremos ter algo ainda neste ano.
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Assista à entrevista do Sempre Família com duas mães de família que adotam o homeschooling:
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