No começo do século XX, se um bebê nascesse prematuro nos Estados Unidos, não lhe restava muita esperança. Muitos médicos consideravam os prematuros geneticamente inferiores, ao ponto de acharem que o esforço em tentar salvá-los sequer valeria a pena. Mas havia alguém a quem os pais de prematuros podiam recorrer, o médico Martin Couney que tratava os bebês em um lugar incomum: um parque de diversões em Coney Island, em Nova York.
Quem visitava Coney Island naquela época se deparava com atrações de todo o tipo. A ilha abrigava três parques de diversões que atraíam milhões de turistas por ano. O mais antigo deles, o Luna Park, foi fundado em 1903, operou até 1944 e se tornou praticamente o arquétipo dos parques de diversão – tanto que até hoje “parque de diversões” se diz luna park em italiano, polonês e francês.
Além de montanhas-russas e outras atrações que costumamos associar a esse tipo de entretenimento, os parques daquela época tinhas várias atrações consideradas bizarras. Em Coney Island, por exemplo, você poderia ver uma “vila anã”, habitada por trezentos anões e anãs e com toda a arquitetura e a mobília na proporção dos habitantes, ou uma tribo igorote trazida das Filipinas, além de Violetta, uma moça nascida sem nenhum membro, e Josephine, que tinha quatro pernas.
Couney, um imigrante judeu-alemão, se aproveitou da popularidade dessas atrações para salvar centenas de bebês prematuros. Ele importou incubadoras da França – que estava anos-luz à frente dos EUA nessa área – e montou uma exposição de bebês prematuros em Coney Island. “Todo mundo ama bebês”, dizia um anúncio na entrada. Com isso, o médico tratou os bebês sem cobrar um centavo dos pais.
O dinheiro vinha todo dos curiosos visitantes da sua “atração”, que pagavam 25 centavos de dólar para entrar no pequeno hospital. Com a bilheteria, Couney pagava dois médicos, uma equipe de enfermeiras, o aluguel do local e o funcionamento das incubadoras – cada uma custava 15 dólares por dia, o que hoje equivale a cerca de 400 dólares. O dinheiro também servia para a participação de sua atração em feiras e exposições.
Pioneiro
Couney foi um pioneiro incomum da medicina. Ele não era professor de uma grande universidade nem chefe da equipe de algum hospital importante. Provavelmente, ele sequer tinha formação em medicina – não há registros de sua matrícula em faculdades da Europa Central. Por muito tempo, a comunidade médica o acusava de ser um charlatão, um aproveitador.
Só com o passar dos anos, seu trabalho começou a chamar a atenção dos maiores pediatras do país. Eles o visitavam, faziam parcerias com ele para estudar os seus bebês e enviavam para a sua instalação os casos de prematuros que encontravam. Couney era rigorosíssimo com as condições de higiene do local: os uniformes da equipe eram impecáveis e, se alguma enfermeira era pega fumando, era demitida imediatamente.
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Seus métodos eram avançados para a época. Ele enfatizava a importância do leite materno e, ao contrário da maioria dos médicos, que evitavam ao máximo qualquer contato com os bebês para reduzir os riscos de infecção, recomendava às enfermeiras que de vez em quando tirassem os pequenos das incubadoras para lhes dar carinho. Segundo as contas de Couney, em sua carreira de quase 50 anos, ele acolheu 8 mil bebês em suas incubadoras, conseguindo salvar a vida de 6,5 mil deles.
Casado em 1903 com uma das enfermeiras de sua equipe, ele mesmo teve uma filha prematura, Hildegarde, que também se tornou enfermeira e trabalhou com ele. Só em 1939 surgiram as primeiras instalações específicas para bebês prematuros em um hospital de Nova York. Com a sua popularização, Couney encerrou suas atividades em 1943, aos 73 anos. No ano seguinte, o Luna Park foi destruído por um incêndio.
Couney morreu em 1950, reconhecido pela comunidade médica como um dos pioneiros da neonatologia nos Estados Unidos e por milhares de pessoas como o salvador de suas vidas. “Ninguém mais estava fazendo nada para me salvar”, disse à BBC Beth Allen, nascida prematura no Brooklyn, em 1941. “Sem Martin Couney, eu não teria tido uma vida”.
Com informações de Smithsonian e BBC.
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