Felipe S. Koller, Julianna Sampaio* e William Bilches
Talvez ao ouvir o nome do Programa Criança Feliz, a única coisa que você se lembre seja de Marcela Temer tentando inscrever o seu nome na história do mais típico primeiro-damismo brasileiro. No entanto, apesar de um lançamento um pouco desastrado no quesito comunicação, o Criança Feliz é hoje – quase três anos depois – nada menos do que o maior programa em escala do mundo com foco na promoção do desenvolvimento das crianças que estão na primeira infância, fase que vai do zero aos seis anos.
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O objetivo do programa é orientar famílias em situação de vulnerabilidade a impulsionar o desenvolvimento de habilidades cognitivas, motoras e socioemocionais nas crianças através de ações simples. A abordagem é baseada nas pesquisas de especialistas como o economista James Heckman, Nobel de Economia em 2000, que identificou o alto grau de eficiência do investimento em programas voltados à primeira infância.
Iniciativas como o Criança Feliz são capazes de prevenir atrasos físicos, intelectuais e emocionais nas crianças e, com isso, proporcionar um cenário mais igualitário no que tange às oportunidades que elas terão no futuro. Mas como, na prática, isso acontece? Foi para responder a essa pergunta que a Gazeta do Povo acompanhou um dia de trabalho de duas equipes de visitadores do Criança Feliz, uma em Antonina, no litoral paranaense, e outra em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza.
“O programa salva vidas”
O Paraná formalizou a sua adesão ao Criança Feliz em abril deste ano, mas em Antonina o programa já funciona desde o ano passado. A terapeuta Edilane Utrabo é uma das seis visitadoras que trabalham na iniciativa e a responsável pela capacitação dessas profissionais no município. Junto da visitadora Ana Carolina Mota, ela visita semanalmente dez das 53 famílias atendidas pelo Criança Feliz em Antonina.
O acompanhamento das famílias começa desde a gestação e impressiona pela variedade de aspectos que envolve. Da amamentação aos possíveis conflitos familiares e do parto à continuidade dos estudos no caso de mães muito jovens, a ideia é proporcionar uma abordagem global, já que cada uma dessas circunstâncias têm o seu impacto no desenvolvimento da criança.
Para Kamile Vitória Oliveira, de 18 anos, o acompanhamento das visitadoras fez toda a diferença. “Fiquei impressionada quando as duas orientadoras demonstraram interesse em me ajudar”, conta. “Foi uma fase conturbada, já que minha mãe não aceitava a minha gravidez e eu também não. Quando elas nos abordaram, tudo mudou. Elas nos fizeram enxergar o melhor caminho.”
Depois do nascimento do pequeno Artur, as visitadoras passaram a orientar Kamile a como estimulá-lo através de pequenas ações cuja importância às vezes passa despercebida, como conversar com a criança durante o banho, a troca de roupa e a demonstração de algum brinquedo. “Utilizo alguns mecanismos para estimular a audição, a visão e também para o fortalecimento do vínculo da mãe com o bebê. Tudo de forma lúdica”, explica Edilane.
Além disso, após o início das visitas Kamile voltou a estudar. “Estou me preparando para o Exame Nacional do Ensino Médio para conquistar meu primeiro sonho”, conta a jovem. “É muito gratificante ver que a criança está se saindo bem e que a mãe voltou para sua rotina e enfrentou a realidade. Às vezes, evitamos doenças como a depressão pós-parto e até mesmo o suicídio. O programa salva vidas. É quase um sacerdócio para mim”, afirma Edilane.
“Ela tem me dado muita força”
Em Caucaia, o Criança Feliz teve início em 2017, com a meta de atender 900 famílias. Hoje, no entanto, apenas 250 são beneficiadas pelo programa. A meta inicial demandaria 34 visitadores, mas apenas oito foram contratados. Segundo a secretária-adjunta de Desenvolvimento Social do município, Telma Diógenes, problemas técnicos e legais inviabilizaram a contratação de mais profissionais. Com isso, o repasse de recursos também está aquém do previsto, já que depende do número de visitadores.
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As famílias visitadas pelo programa foram selecionadas por estarem em territórios de vulnerabilidade atendidos por cinco dos onze Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) do município. “Geralmente, são dois anos de acompanhamento. O visitador não tem o papel de fiscalizar. Ele vai, conversa com a mãe, confecciona brinquedo com material reciclado, brinca com a criança”, explica Telma. Além das visitas domiciliares, que duram cerca de uma hora, os visitadores também promovem atividades como piqueniques literários e tendas de leituras com contação de histórias.
“Toda semana temos um planejamento de quais atividades serão aplicadas. A partir do nosso trabalho, vemos o interesse das crianças e percebemos que elas conseguem se desenvolver melhor e avançar no aprendizado”, destaca Mônica Freitas, que atua no programa desde a sua implantação em Caucaia. Atualmente, ela atende 30 famílias que estão localizadas no território do CRAS da Jurema, um dos principais distritos da cidade cearense.
Davi Luiz Penha, de 2 anos, é uma das crianças atendidas pela visitadora. O menino tem paralisia cerebral e é acompanhado pelo Criança Feliz desde os primeiros meses de vida. Nas visitas, Mônica orienta a mãe sobre os principais cuidados com o pequeno, a informa sobre direitos de acesso a políticas e serviços públicos e realiza massagens e atividades lúdicas com o garoto. “Ela tem me dado muita força”, se alegra a mãe, Maria do Socorro. “Ela é muito atenciosa comigo e com o meu filho. Eu estimulo ele em casa, coloco para sentar e eu percebo que a orientação dela ajuda. Ele tem melhorado no equilíbrio”.
Em uma das visitas, a profissional soube que a grávida de gêmeos que acompanhava estava perdendo líquido amniótico havia dois dias. Imediatamente, Mônica marcou uma consulta na maternidade. A gestante acabou submetida a uma cesariana de emergência e as crianças sobreviveram por pouco. “Aí eu vejo a importância desse programa. Se ela tivesse demorado meia hora, ela tinha perdido as crianças. Ela já se mudou, mas até hoje tenho contato com ela. Ela até me convidou para ser madrinha das meninas”, orgulha-se a visitadora.
Resultado a longo prazo
O Criança Feliz é um desdobramento do Marco Legal da Primeira Infância, que ao ser promulgado em 2016 previa a implantação de uma política pública nacional voltada ao tema. A legislação, pioneira em seu gênero na América Latina, teve origem em um projeto de lei do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), que esteve à frente do Ministério do Desenvolvimento Social no período de implantação do Criança Feliz e hoje é ministro da Cidadania – pasta que segue como responsável pelo programa.
“O Criança Feliz é um programa pensado para o resultado a longo prazo e visa desenvolver o potencial humano da inteligência e as competências da criança para ser um adulto que tenha uma renda maior no futuro”, conta o ministro à Gazeta do Povo. Segundo Terra, o programa deve atingir um milhão de crianças atendidas até o fim deste ano. Além disso, é um dos finalistas do WISE Awards 2019, prêmio da Cúpula Mundial de Inovação para a Educação que reconhece os projetos mais inovadores na área.
“O ato de ir até a casa é muito importante na proposta. Assim as visitadoras podem ver de perto os fatores que influenciam o desenvolvimento infantil”, explica. “A maneira com que a mãe se relaciona com a criança tem um impacto enorme. Se ela a trata mal ou olha zangada para a criança, ela entra em estresse e o coração dispara, mesmo que com quatro ou cinco meses de idade. As questões emocionais, que têm relação com um processo de aprendizagem maior, começam nesse período da vida”.
“Na minha percepção, você não muda a vida de ninguém. Você pode propiciar meios para que aquela pessoa tome as decisões necessárias e assim acarrete algumas mudanças para melhor na vida dela”, avalia Telma, a secretária-adjunta de Desenvolvimento Social de Caucaia. “Nesse sentido, acredito que o Programa Criança Feliz já tenha feito uma grande diferença para muitas das famílias assistidas”.
*especial para o Sempre Família
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