Na última sexta, o papa Francisco e o patriarca de Moscou Kirill tiveram um encontro histórico durante uma escala de Francisco em Havana, Cuba, antes de se dirigir para o México. Pela primeira vez desde o cisma de 1054, o líder da Igreja católica e o líder da Igreja ortodoxa russa – a mais numerosa das Igrejas ortodoxas, com mais de 150 milhões de fiéis – se encontraram.
Depois de conversarem privadamente por cerca de duas horas, os dois assinaram uma declaração conjunta, composta de trinta parágrafos. O texto completo, disponível no site da Santa Sé, reafirma o compromisso pela busca da unidade dos cristãos e ressalta a necessidade de responder “em conjunto aos desafios do mundo contemporâneo”.
Entre outras situações da atualidade, o texto cita a perseguição aos cristãos em regiões de predomínio muçulmano, a luta contra o terrorismo, as condições de miséria em que vivem milhões de pessoas e o secularismo que limita a liberdade religiosa, restringindo qualquer manifestação de fé ao âmbito privado.
Três parágrafos da declaração (do 19 ao 21) se focam nos valores comuns partilhados por ortodoxos e católicos em relação à família e à defesa da vida. O papa e o patriarca se dizem preocupados com a crise da família, “centro natural da vida humana e da sociedade”. O texto afirma que “ortodoxos e católicos partilham a mesma concepção da família e são chamados a testemunhar que ela é um caminho de santidade, que testemunha a fidelidade dos esposos nas suas relações mútuas, a sua abertura à procriação e à educação dos filhos, a solidariedade entre as gerações e o respeito pelos mais vulneráveis”.
O matrimônio, “escola de amor e fidelidade”, é definido como “ato de amor livre e fiel entre um homem e uma mulher”. O papa e o patriarca lamentam que “outras formas de convivência já estejam postas ao mesmo nível desta união, ao passo que o conceito, santificado pela tradição bíblica, de paternidade e de maternidade como vocação particular do homem e da mulher no matrimônio, seja banido da consciência pública”.
A declaração se refere ainda ao aborto, afirmando que “a voz do sangue das crianças não nascidas clama a Deus”, e à eutanásia, que “faz com que as pessoas idosas e os doentes comecem a sentir-se um peso excessivo para as suas famílias e a sociedade em geral”.
O texto também expressa a preocupação de Francisco e Kirill com as tecnologias de reprodução assistida, considerando que “a manipulação da vida humana é um ataque aos fundamentos da existência do homem”.
Francisco já havia assinado uma declaração conjunta com Bartolomeu, o patriarca ecumênico de Constantinopla, em 2014. Em 2004 e 2006, João Paulo II e Bento XVI também publicaram declarações conjuntas com Bartolomeu; o papa polonês já havia assinado uma com o seu predecessor, Demétrio, em 1979. João Paulo II ainda firmou declarações junto ao patriarca da Igreja assíria, em 1984; ao patriarca da Geórgia, em 1999; e ao patriarca da Romênia, em 2002. Bento XVI, por sua vez, emitiu declarações conjuntas com o arcebispo de Atenas, em 2006, e com o arcebispo do Chipre, em 2007.
No que se refere à relação com os anglicanos, várias declarações conjuntas também marcaram o caminho do diálogo: em 1966, com Paulo VI, em 1980 e 2004, com João Paulo II, e em 2006, com Bento XVI. Há ainda uma importante declaração conjunta sobre a doutrina da justificação, assinada com os luteranos em 1999.