As incertezas ocasionadas pela pandemia do novo coronavírus pelo mundo têm mudado não apenas a rotina, como também atingido o lado emocional das pessoas. Os receios, a ansiedade e as dúvidas por não saber o que virá pela frente fizeram com que muita gente procurasse ajuda de especialistas para lidar com a própria angústia.
Problemas causados pelo isolamento, conflitos familiares potencializados pela quarentena, crises de pânico, medo de perder entes queridos ou dificuldades por causa do trabalho têm mexido com o humor e a saúde mental da população. Do outro lado, cada vez mais profissionais tem se voluntariado para ouvir e ajudar àqueles que, muitas vezes, só precisam ser acolhidos e desabafar, mesmo que de forma remota.
Esse tipo de atendimento tem refletido diretamente na qualidade de vida e na saúde desses pacientes e a tecnologia vem contribuindo para estreitar cada vez mais essas relações. Seja por WhatsApp, Skype, Facebook ou pelo próprio telefone, a terapia à distância se tornou um serviço essencial tanto para usuários dos métodos presenciais quanto para quem tem sofrido com os sintomas causados por esse período de crise e precisa de atendimento de forma remota.
A psicóloga Simone Gomes Cordeiro já estava habituada a prestar esse tipo de consulta remota mesmo antes da pandemia estourar. O serviço, que começou para atender os pacientes que passavam por mudanças para outros locais, acabou sendo incorporado por ela que há cerca de um ano. Desde então, a profissional fechou o consultório físico e passou a atender apenas à distância.
“Quando iniciamos um trabalho individualizado como terapeuta existe uma questão importante que é o vínculo, que é essencial neste processo. Quando o cliente está se mudando para outro local, ele não quer parar com o tratamento que já estava sendo realizado e recomeçar com outro profissional, tendo de iniciar o processo todo de novo. Então esses clientes foram me propondo o atendimento remoto e eu aprendi a atender à distância com eles”, diz.
Essa resistência inicial à terapia remota por parte de muitos pacientes e até mesmo dos profissionais foi quebrada abruptamente com a pandemia e a necessidade cada vez mais crescente de acompanhamento psicológico neste período de isolamento social. Dessa forma, algumas pessoas se forçaram a fazer esse tipo de terapia com o início da pandemia.
De acordo com Cordeiro, a atual situação fez surgir uma nova demanda, principalmente das pessoas que nunca haviam feito terapia. São questões pessoais que sempre estiveram presentes nos pacientes, mas que numa situação como essa, de tanta instabilidade, acabam ficando mais claras e fazem essas pessoas procurarem ajuda de especialistas.
Para ela, quem já estava acostumado com esse processo terapêutico, com histórico de consultas anteriores, tem conseguido lidar melhor com esse período de isolamento. “Essa pandemia acaba nos ensinando sobre a importância de se autoconhecer e como lidar diante do inesperado, daquilo que não temos o controle”, diz.
A profissional, assim como outros colegas, disponibilizou consultas emergenciais para profissionais da saúde de forma voluntária. Mas ela faz questão de ressaltar a diferença com relação aos processos terapêuticos regulares. Segundo Simone, no processo terapêutico o profissional trabalha para compreender a vida do paciente dentro de uma sequência de atendimentos. Já a consulta terapêutica tem início, meio e fim numa mesma sessão. “Eu posso ofertar consultas que aliviam aquela dor, aquela angústia pontual. Algumas pessoas a gente encaminha para a continuidade do tratamento e outras só querem desabafar naquele momento“, diz.
A psicóloga clínica Lucila Maria Ribas explica que em decorrência da pandemia, alguns pacientes do grupo de risco ficaram impossibilitados de sair de casa, mas não quiseram parar com a terapia. Nesses casos, o atendimento à distância se tornou uma alternativa segura para continuar oferecendo suporte para essas pessoas. Segundo ela, esse método tem se mostrado totalmente eficaz e alguns pacientes já estão optando por trocar as consultas presenciais. “Alguns clientes não querem mais voltar para o atendimento presencial. Eles falam que a comodidade de não precisar se deslocar e a economia de tempo pesaram na decisão”, diz.
De acordo com Ribas, também houve um aumento de pessoas que têm procurado ajuda relatando síndrome do pânico ansiedade, com medo de morrer, com medo de que os familiares morram. “Muitas pessoas têm pais idosos e não estão perto deles. Pacientes que já são fragilizados emocionalmente são os mais impactados pela pandemia”, enfatiza.
Grupos se organizam por atendimento voluntário
A psicóloga Carolina Franco de Oliveira Simeão foi a idealizadora de projeto de acolhimento voluntário psicológico, com foco no atendimento focal e emergencial, ou seja, sem que seja apresentado um histórico anterior do paciente, diferente do que ocorre nos processos terapêuticos convencionais.
A ideia para a ação surgiu logo no início do período de isolamento, em meados de março, por meio de algumas questões que foram relatadas por pacientes regulares da profissional e que começaram a procurar atendimento com crises de ansiedade e outros medos decorrentes da pandemia. Nesse momento, Carolina pensou em reunir alguns colegas psicólogos para prestar esse acolhimento para quem não pudesse pagar e “até onde as pernas alcançarem”, segundo ela.
Dois dias depois de abrir um grupo no WhatsApp para reunir voluntários, o número de cadastrados já chegava a 80. Em pouco mais de um mês a ação já conta com mais de 180 psicólogos que agora estão se organizando para atender toda a demanda. A ideia acabou sendo tão bem recebida que foi incorporada pelo poder público, que passou a oferecer o atendimento pelo Telemedicina, servido oferecido pelo Governo do Estado para atender casos suspeitos de Covid-19. Todos os psicólogos voluntários que estão nesse grupo mantiveram seus trabalhos individuais e abriram suas agendas para incluir essas ações.
Para Simeão, muitas vezes, esse atendimento acaba aliviando os sintomas causados pelo momento atual. “Entendemos que as pessoas estão muitas vezes em um momento de crise tão grande, que encontrar em alguém uma escuta efetiva, um acolhimento, literalmente, é essencial. Uma pessoa que possa te ouvir, que possa te amparar e validar suas emoções. Esse é um serviço que já diminui muito aquele nível inicial de estresse e de ansiedade”, diz a psicóloga.
Atualmente esse atendimento oferecido pelo grupo tem sido focado na população com suspeita de Covid-19 e que entra na plataforma da Telemedicina para tirar dúvidas dos sintomas. Mas com o grande número de voluntários é possível que a medida seja ampliada. “Estamos sendo introduzidos aos poucos na plataforma e temos esses 180 psicólogos voluntários que estão esperando para trabalhar. Estamos nos preparando para atender a demanda que vai vir, que não seja apenas por essa porta de entrada”, reforça.