A era digital provocou mudanças profundas na sociedade – na forma de se comunicar, trabalhar, consumir e até de se relacionar com o outro e consigo mesmo. A exposição constante às telas, aos estímulos sonoros e visuais e o grande número de atividades que permeiam a rotina diária deixam o cérebro sempre alerta.
Em meio a este universo de informações, o encontro com o tédio é cada vez mais raro. Temido por uns e apreciado por outros, ele pode ser a chave para a regeneração da mente. “O tédio insinua a emergência de algo novo. Ele é, no plano individual, aquilo que exerce sobre nós influência fundamental para nossas maiores transições de vida”, reflete Rafael Otávio Ragugnetti Zanlorenzi, professor de Epistemologia, Filosofia Política e Teorias da Justiça da Universidade Positivo.
Para Zanlorenzi, sem o tédio ocorre uma repetição e um travamento do desejo, o que provoca a estagnação e afasta a criatividade. Durante momentos tediosos, o indivíduo é capaz de romper com a estrutura do cotidiano e refletir sobre os fatos que o levam a estar acomodado em uma determinada situação. Desta forma a criatividade surge e é possível pensar em como se renovar e se superar, seja na vida pessoal ou profissional. “O tédio inscreve a consciência individual em regiões não cogitadas. É por meio dele que as reflexões existenciais mais difíceis aparecem”, pontua.
O professor lembra que é preciso diferenciar o tédio do ócio e do descanso. O tédio força a construção de novas ideias e está intimamente ligado à monotonia da rotina diária. O ócio acontece quando o indivíduo se recusa a realizar uma atividade produtiva e o descanso ocorre no momento em que as tensões psíquicas e espirituais acumuladas cessam.
Questionado se as pessoas têm medo do tédio, o especialista afirma que na realidade existe um receio em relação à posição do prazer na vida. Quando um dado momento se torna tedioso, significa que o prazer desapareceu. Neste contexto, o ser humano se vê “preso entre um viver por ideais ou um viver por prazeres. É dessa pergunta que uma pessoa tem medo, porque a resposta pode anular esforços, desatar relações e superar princípios”, acrescenta.
Imediatismo digital reduz as oportunidades de reflexão
O avanço da tecnologia e o fácil acesso à internet tornaram possível fazer quase tudo em qualquer lugar. É possível trabalhar, estudar, se divertir e ficar informado 24 horas por dia. Mas apesar dos pontos positivos, essa realidade também traz o perigo do imediatismo. Zanlorenzi ressalta que o risco está “em não se buscar mais a solução criativa para o tédio, dentro ou fora do espaço de atividade produtiva”.
“O alcance ilimitado da tecnologia extingue as oportunidades de reflexões solitárias, imprescindíveis para o desenvolvimento da criatividade e da identidade individual”
O professor observa que o alcance ilimitado da tecnologia extingue as oportunidades de reflexões solitárias, “imprescindíveis para o desenvolvimento da criatividade e da identidade individual”. Sem contar que há uma perda significativa no debate sobre a arte, a expressão individual, o novo e a resolução criativa de problemas. “Esse é um sintoma de um corpo social que perdeu a capacidade de explorar suas próprias possibilidades, que deixou de lado a ansiedade pela verticalização de seus atributos e de suas questões fundamentais”, defende.
Reflexões em momentos de tédio trazem autoconhecimento e amor próprio
A educadora física e professora de pilates Luana Cicaida, de 37 anos, confessa que é difícil se desconectar e quase sempre está acompanhada do celular, do computador ou da televisão. Ela já percebeu que este excesso de estímulos a deixa irritada e impaciente e por isso reserva os fins de semana para momentos desconectados, sem horários e com pausas para reflexão.
“Eu valorizo o tempo que eu tenho para recarregar as energias e ter uma conexão comigo mesma. Me sinto revigorada e mais inspirada para as atividades diárias. É completamente benéfico para a saúde mental”, conta.
Além de “organizar a cabeça”, Luana ressalta que ao quebrar a sua rotina com um pouco de tédio, decidiu viajar sozinha pela primeira vez. “Foi um combo de autoconhecimento e amor próprio que ganhei. Fui a jantares sozinha, escolhi meu roteiro e passei dias maravilhosos sem sentir solidão ou incômodo por não estar acompanhada”, lembra ela. “Vez ou outra fazer isso quando sentir que é necessário, faz muito bem para a alma”, recomenda.
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